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A n a i s d o I HM T
informações de obras de cronistas coloniais como Jean de Lery,
André Thevet, Pedro de Magalhães Gandavo, Yves D’Evreux,
Fernão Cardim e Guilherme Piso, que integravam o acervo de
sua biblioteca pessoal [11]. Em relação à obra de Piso, Bertoni
deixa claro, já à página seis do capítulo I, do Livro II, que ela foi
fundamental para o estudo que realizou sobre a medicina guara-
ni, o que pode ser, efetivamente, constatado em vários capítu-
los, já que ele recorre a Piso para demonstrar o avançado estágio
da medicina indígena. Foi a Piso que Bertoni também recorreu
para identificar as “enfermedades comunes endêmicas”, dentre
as quais se destacaram a varíola e a malária. Em relação a esta
última, Bertoni afirmar que o fogo sempre aceso e o costume
de dormir em redes e de passar urucum amassado com azeite
de palma pelo corpo [o que afastava os mosquitos] contribuíram
para reduzir a propagação da malária.
Em relação às plantas medicinais, o botânico suíço afirmou que
“ningún pueblo de la tierra há entregado a la ciencia medica tan-
tas plantas medicinales como el peblo guarani” [2: 65-66]. E con-
tinua:
?Se podría aún decir que los guataníes no tenían conocimientos
científicos y solo se limitaban a las groseras supersticiones de que
he hablado? Evidentemente que
no.Yomismo he visto un gran
número de casos.Y es asi cómo he podido comprobar que emplea-
ban acertadamente los antisépticos,los febrífugos,los tónicos,ads-
tringentes,evacuantes,depurativos de la sangre,hemostáticos (...)
y he quedado verdaderamente asombrado,como el pueblo que no
tenia literatura, por medio de la cual se transmitieses de padres
a hijos, de generación a generación, esos conocimientos, pueda
haber llegado a un cumulo de conocimientos tan complicados y
relativamente tan
perfecto.Silos guaraníes tuviesen una verdade-
ra literatura,la cosa seria interesante;no teniendola,ha sido para
mi maravilloso
[2: 65-66].
Segundo Bertoni, um estudo comparativo entre os conhecimen-
tos médicos europeus dos séculos XV e XVI e os dos guaranis,
levaria, semdúvida, à conclusão de que os últimos estavammuito
mais adiantados, pois em suas crenças, apesar da forte presença
do fantástico, não havia nada comparável ao absurdo que era a
fitognomonia [50],
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doutrina difundida pelo ocultista e botânico
renascentista Paracelso, pelo filósofo natural e astrónomo italia-
no Juan Bautista Porta e pelo astrólogo e astrónomo espanhol
Jerónimo Cortés Valenciano, e que regeu a medicina europeia
durante séculos.
Ao referir-se aos jesuítas, Bertoni destaca sua prudência e acer-
to, ao terem adotado – dos Guarani – muitos de suas medidas
profiláticas, de seus procedimentos terapêuticos e, sobretudo,
seus conhecimentos sobre as propriedades curativas de plantas
nativas. Para o botânico suíço, “não há dúvidas de que os jesuítas
fizeram muito, mas foi no sentido de recolher informações dos
índios – submetendo-as à comprovação através do experimenta-
lismo – e de transmiti-las. Mas, em todo caso, a fonte de infor-
mação foram os índios guaranis ou Guillermo Piso, que também
teve acesso a elas devido ao contacto com guaranis do Brasil, che-
gando a afirmar que as propriedades curativas de plantas medi-
cinais nativas haviam sido descobertas pelos próprios indígenas e
não pelos europeus, leigos ou religiosos” [2: 150-151].
As posições assumidas por Bertoni o tornaram alvo de inúmeras
críticas, às quais respondia da seguinte maneira:
Estudiar la naturaleza de su propia colectividad, com el fin de
buscar los defectos y remediarlos, será siempre obra de muy sano
patriotismo.Mas para la realización del ideal de una patria ver-
daderamente libre e independiente,esa obra no batará,si apoyan-
dose en sus orígenes,historia y virtudes,esa colectividade no
sabra
afirmar con energía y sin reservas su entidad y su derecho
[16:
162].
No me envanezco cuando oigo decir que esta obra [La Civiliza-
ción Guarani] no es sino el trasunto de mi amor al Paraguay y a
la raza guarani. (...) Sólo que mi amor a la raz o mi amor a la
nación son el efecto,no la causa de mis estudios.Amo efectivamen-
te a los Guaraníes y a mi patria adoptiva (...)
[2: 30-31].
Em carta dirigida ao filho GuillermoTell, de 19 de dezembro de
1922 [após ter já regressado do Rio de Janeiro, onde participou
do XX ICA], Bertoni cobrava medidas e uma legislação do go-
verno paraguaio:
?Qué haremos, qué podremos hacer (...) dedicando nuestro me-
jor tiempo a la causa nacional y al estudio del país, en un país
falto de organización economica,con gobiernos que se enc argan
de anular con leyes el esfuerzo del indivíduo que aún lucha a
pesar de su asilamiento, que reservan sus protecciones para los
más osados charlatanes y guardan las mejores canogías para los
que proclaman el cretinismo de la raz y dan por necesaria la
13 - De acordo com Bertoni, dentre os naturalistas e pesquisadores estrangeiros,
poucos “deram maior importância à medicina indígena e outros não mantiveram
com os indígenas o contacto necessário”, para que pudessem perceber que “nenhum
outro povo entregou à ciência médica mais plantas medicinais do que os guaranis.”
Bertoni MS (1927). La Civilizacion Guarani. Parte III. Etnografia: Conocimientos.
La Higiene Guarani su importancia Científica y Práctica. La Medicina Guarani Co-
nocimientos Científicos. Ex Sylvis,Alto Paraná, Paraguay: 237; 66).
14 - Na Relación sucinta de un viaje, de 1924, Bertoni chegou a afirmar que: “con
placer intimo, noto que el interes por tales estúdios aumenta a cada dia. No está le-
jos el momento em que la Guaraniologia será uma de las ramas más cultivadas de la
antropología y lingüística americana.” Bertoni manifestou, também, seu entusiasmo
com a proposição de criação de um Instituto Antropológico, durante o congresso,
ressaltando a deficiência de estudos antropológicos na Argentina e no Paraguai: “el
mundo científico, como se há visto, la espera ansiosamente, y por outra parte, la
gran republica del Sud se debe eso a si misma.” Bertoni MS (1924). Relación sucinta
de unaViaje de Estudios al Brasil, en ocasión de los Americanistas, del Centenario
de la Independencia del Brasil y de la Exposición Universal (del 11 de agosto al 26
de noviembre 1922). Ex Sylvis,Alto Paraná, Paraguay: 48; 28.
15 - Este inventário foi dividido em seções, a saber: coleção botânica, herbário,
florestal, entomologia, etnografia e craniologia. Sabe-se que sua coleção reunia
43.600 peças, sendo que destas, 800 eram etnográficas, 14 mil de entomologia e
22 mil peças compunham o herbário.
16 - O I e o II volumes foram publicados pela editora Ex Sylvis em 1922 e 1927,
respectivamente, já o II teve sua publicação proposta pelo médico paraguaioAndrés
Barbero, presidente da Sociedade Científica do Paraguai, em 1929, mas a edição
deu-se somente em 1954.
17 - A "doutrina das assinaturas", proposta por Paracelso e desenvolvida por Juan
Bautista Porta, em sua obra Fitognomônica, de 1588, propõe que certas marcas
ou características exteriores das plantas indicariam suas propriedades e aplicações
medicinais.A fitognomonia propõe que seja possível reconhecer, pela aparência ex-
terna (figura, forma e cor), as peculiaridades e virtudes de cada planta.