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A n a i s d o I HM T

mente ressaltada na obra seguinte, constituindo o objeto

principal desta. Para ele, era manifesta a condição de suba-

proveitamento das potencialidades naturais de caráter te-

rapêutico originárias da colónia brasileira. Escreveu o frei

Jesus Maria ao final do prólogo que

(...) não deixando de lamentar, segundo as noticias, que ha

de Pessoas, que viveraõ nas Americas, a falta, que temos de

pôr na Praxe Medica a muitos vegetaes de conhecida effica-

cia, para varias queixas, que, dizem, tem descuberto com lar-

gas experiencias a rustica agilidade racional dos Caboucos

daquelles Estado; que, a ser certo, poderia haver com utili-

dade da saude, e crescido lucro, augmento no comercio, igual

ao que se vê nos generos, vindos de fora do Reyno

[6]

1

.

Frei Jesus Maria não foi o único a correlacionar que uma

melhor exploração das riquezas naturais da colónia se po-

deriam refletir no incremento do comércio, do lucro e

desenvolvimento da medicina. Na verdade, a ação indivi-

dual de desenvolver o conhecimento natural da Colónia

acompanhavam uma ação manifesta do Estado português

em racionalizar a exploração dos territórios ultramarinos

[7]. Um exemplo disso pode ser encontrado no excer-

to retirado da carta de António Nunes Ribeiro Sanches

(1689-1783) endereçada ao médico português, então ra-

dicado no Rio de Janeiro, Manoel Joaquim Henriques de

Paiva (1752-1829):

Os castelhanos que não têm os olhos mais perspicazes que

nós souberam fazer dos produtos da História natural da sua

América negócio de muito rendimento para eles e de muita

utilidade para a Europa.Tiveram a habilidade de fazer en-

trar no comércio a cochonilha, a quina, a jalapa, a contra-

-erva,os bálsamos,a cevadilha,(...).Nós tão desasados desde

duzentos anos não tivemos habilidade de fazer entrar no co-

mércio a raiz de mil homens,a casca barbatimão,a almeçaga

e outras mil raízes, frutos e cascas que podem servir na medi-

cina e nas artes tintas. E admiro-me como o óleo de copaíba

e a ipecacuanha chegaram a ser conhecidas (…)

[8].

Como expressaram os dois autores supracitados, uma flora

rica em potencialidades terapêuticas - assim como em poten-

cialidades comerciais - muitas vezes reconhecida pelos seus

atributos terapêuticos e largamente utilizada na colónia, per-

manecia em Portugal ainda passível de ser desvendada.

Flogisto, Linnaeus e plantas do Brasil

Ao longo do manuscrito

Historia Pharmaceutica das Plantas

Exóticas

, o frei Jesus Maria discorre longamente por quase

800 espécies diferentes de plantas com potencial terapêu-

tico. Como é patente em seu título, o objetivo da obra era

apresentar uma história natural

2

, usos e características das

principais plantas utilizadas na farmácia e que não cresciam

originalmente em Portugal. O livro é dividido em dez ca-

pítulos, onde o frei boticário ordena as plantas de modo a

agrupar em cada capítulo a estrutura morfológica melhor

adequada para o uso medicinal, com exceção do capítulo

décimo, dedicado exclusivamente aos fungos. Entre as cen-

tenas de plantas, é marcante a existência das espécies natu-

rais do Brasil entre elas. A exemplo dessas, encontra-se em

destaque o caju (

Anacardium occidentale

). Planta originária do

nordeste brasileiro, sua dispersão pelo globo possui ligação

direta com a

Carreia das Índias

, visto que a planta foi levada

do Brasil a Cabo Verde, e posteriormente a África e Ásia a

bordo das Naus que fazia o translado de especiarias orientais

para Europa [9].

Dentre as diversas espécies descritas por Jesus Maria, o

Ana-

cardum occidentale quorundam, Caju et Acajou

é definido pelo

autor como o natural do Brasil. Referente ao seu uso medi-

cinal, qual está circunscrito a sua noz, o frei escreveu que é

“(…) taõ urente, que untando ainda as de leve a cútis com

ella, a corroe, e queima, e se por descuido se avinca nos den-

tes, ulcera os labios, lingua, e mais partes da bocca com dor

summa (…)” [6]. Por sua característica de urticar ao mais

leve contato à cútis, Jesus Maria recomenda cautela em seu

uso; porém é justamente a característica urticante que ca-

racteriza seu caráter terapêutico. Mais a frente em seu texto,

escreveu o autor que:

(…) separaõ por expressaõ os habitantes hum óleo, que

alem de impedir a corrupção da madeira, tambem deles

se aproveitaõ na pintura; as melhores do paiz se valem

do succo acre desras nozes para maltarem os bichos, e

tirarem as manchas do rosto, pos corroendo-lhe a pelle, o

deixa em carne viva, vindo-lhe depois outra de novo, mais

se o fazem andando com seu mez, lhe sobrevem erysipelas,

e entre o uso medico serve de cauterio; havendo pessoa de

todo credito, que me seguro fazia expellir as secundinas,

e feito morto huâ inteira noz destas atada com linha, e

intrusa no orifício da vagina do utelo por alguâs horas,

e por fim dellas se tira

[6].

Como assinalado no excerto acima, os usos relativos as plan-

tas originárias do Brasil possuíam um forte caráter popular

no que tange a administração de suas propriedades terapêuti-

cas. Saberes tradicionais das populações nativas, assim como

dos habitantes da colónia, foram assimiladas na obra de Jesus

Maria como forma correta de administrar a prática terapêu-

tica relativa a tais plantas. Porém, essa assimilação não se deu

de maneira passiva, mas antes, traduzida de maneira a ser

coesa com os paradigmas médico-farmacêuticos defendidos

1 - Optou-se por manter a transcrição original dos textos publicados pelo frei João

de Jesus Maria, sem a sua adequação a normal contemporânea da língua portuguesa.

2 -A história natural era a disciplina relativa ao estudo de uma série de conhecimen-

tos relativos às espécies naturais.Tais conhecimentos hoje se dividem em diferentes

áreas autónomas, como a biologia, botânica, bioquímica e biogeografia.