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A n a i s d o I HM T
lo entre as duas seja de 5 anos, as informações relativas
a escrita destas sugere que esse intervalo é ainda maior.
Segundo o Catálogo de Escritores Beneditinos da Con-
gregação de Portugal, elaborado pelo Frei Francisco de S.
Luís, Cardeal Saraiva, a
Historia Pharmaceutica das Plantas
Exóticas
demorou de oito a nove anos a ser elaborado; ou
seja, o início de sua produção deu-se quando a
Phamacopea
Dogmatica
ainda nem sequer estava impressa.
Um segundo ponto que justifica uma maior importância
de Linnaeus em sua segunda obra, pode ser compreendi-
do pela emergência que as ideias lineanas adquiriram em
Portugal através de Domingos Vandelli (1735-1816).
Um dos principais nomes da reforma pombalina,Vandelli
também tem seu nome diretamente ligado as expedições
filosóficas portuguesas no último quartel do século XVIII,
como aViagem Filosófica de Alexandre Rodrigues Ferrei-
ra (1756-1815) ao Brasil [13]. Após breve passagem por
Lisboa em 1765, o naturalista italiano retorna de maneira
definitiva a Portugal no ano de 1768 quando assume o
estabelecimento do Jardim Botânico da Ajuda e, poucos
anos depois, estar a frente das cadeiras de História Na-
tural e Química na Universidade de Coimbra [14]. Se-
guidor das ideias de Linneaus, Vandelli chegou mesmo a
corresponder-se com o botânico sueco, além de publicar
em 1788 o
Dicionário dos termos técnicos de história natural
extraídos das obras de Lineu
, o qual fomentou de maneira
direta a classificação lineana entre os naturalistas portu-
gueses.
Nada se encontra nas páginas da
Phamacopea Dogmatica
so-
bre Vandelli, o que sugere que a elaboração do texto teve
lugar deu-se nos anos anteriores ou imediatos à vinda de
Vandelli a Portugal, quando ainda o naturalista italiano
não exercia a influência no campo intelectual português
a qual seria conquistada ao longo da sua trajetória pro-
fissional. Todavia, é marcante a presença de Vandelli no
manuscrito de 1777 sobre as plantas exóticas utilizadas na
botica portuguesa. Ao destacar como o período em que
estava inserido era especialmente profícuo para o estudo
da botânica, devido aos investimentos que os reis, prínci-
pes e outros membros da nobreza realizavam para a cons-
trução de Hortos e Jardins Botânicos pela Europa. No
caso português, o clérigo escreveu que: (…) neste Reyno
causa admiração o Regio, e Magnifico Jardim de Ajuda;
animado de um grande numero de Plantas exoticas, devi-
das à directiva, e vigilante instrucçaõ do Douto Professor
da Historia Natural o Cl. Domingos Vandelli [6]. Pouco
mais a frente, o frei Jesus Maria ao explanar sobre a botâ-
nica e suas características investigativas, escreveu que esse
campo de estudo é “(…) assaz digno de se ocuparem os
homens, principalmente esses aplicados a Botanica todos
os diferentes objectos da Agricultura, como de continuo
estaõ fazendo alguns respeitaveis sabios, entre os quaes se
distingue o Cl. Vandelli, e outros curiosos Doutos deste
seculo (…)” [6].
Conclusão
Para além de uma suposta homogeneidade que caracteriza
seu desenvolvimento, a ciência foi moldada regionalmen-
te por características históricas e geográficas próprias
de onde foi praticada [15]. Logo, a obra do frei João de
Jesus Maria está profundamente radicada no lugar social
onde foi produzida, sendo resultante das redes de intera-
ção social e científica em que o autor é tanto vetor como
recetor. O amplo número de plantas nativas do Brasil
presentes nas suas duas obras reflete, em primeiro lugar,
a influência das plantas e práticas de suas possessões ul-
tramarinas no campo boticário português. Em segundo,
tal condição legitima-se na preocupação do autor, além
de outros intelectuais do período, em melhor utilizar as
riquezas naturais coloniais [16].
Nas páginas da
Phamacopea Dogmatica
, mas especialmente
em
Historia Pharmaceutica das Plantas Exóticas
, é marcante a
preocupação do autor em conciliar os conhecimentos po-
pulares, que caracterizavam historicamente o uso de tais
plantas, com o cânone do conhecimento médico-farma-
cêutico próprio de seu período. Nesse sentido, aparecem
de maneira complementar tanto os usos marcadamente
populares das plantas brasileiras relacionado a compreen-
são flogista de tais espécies.
3 - Uma dos grandes entraves da teoria do flogisto era a discrepância evidenciada
entre a combustão dos elementos orgânicos e os elementos metálicos. Enquanto
os primeiros tendiam a perder peso, o mesmo não ocorria com os metais, que em
muitos casos ganhavam peso.Tal contradição recebeu uma resposta verosímil com
as observações empíricas de Joseph Priestley (1733-1804) e Lavoisier, quais iriam
identificar o oxigênio e suas particularidades. Para mais sobre, ver
Science in the
Enlightenment:An Encyclopedia
deWilliam E Burns.
4 - A obra citada por Jesus Maria é a edição impressa em Leipzig no ano de 1735.
5 - Nome dado no período ao ácido sulfúrico.
6 - É importante notar que a classificação binominal em língua latina para a identifi-
cação boticária foi defendida mais de um século antes por Gaspard Bauhim (1560-
1624), todavia foi Linnaeus quem consolidou tal prática dentro do campo científico
como cânone para a taxonomia natural. Logo, mesmo não sendo o primeiro a de-
fender tal ideia, o botânico sueco permanece como o criador do binómio latim para
classificação do mundo natural.
7 - A primeira versão é de 1735, mas a versão citada por Jesus Maria é a de 1746.
8 - A exemplo do
Ricinus communis
, a denominação utilizada pelo autor raramente
corresponde que a nomenclatura e/ou classificação taxonómica que a mesma plan-
ta possuí atualmente.Todavia, ao longo do texto mantem-se o nome e classificação
originalmente atribuídas pelo frei boticário.
9 - Apesar de originária da África, o rícino dispersou em profusão pelas zonas tro-
picais do globo, dividindo-se em centenas de diferentes espécies. Ainda que não
discuta em seu texto a localização geográfica original da planta, Jesus Maria aborda
uma espécie identificada como própria da América, qual diferia-se das outras espé-
cies por seu porte mais robusto e propriedade terapêutica mais agressiva.