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e arejadas, de acordo com um traçado reticular que partia do
núcleo primitivo e o enquadrava. Apostava-se na eliminação
do pântano e da sua má influência, mas, ainda assim, projeta-
va-se a cidade nova para longe das suas imediações. A grelha
prenunciada abarcaria áreas residenciais, áreas comerciais e de
serviços, hospital, quartéis, jardins (…); um núcleo pensado
como “cidade branca”, prevendo que a população indígena fi-
caria confinada a áreas pré-definidas, e que se afirma como
estruturante no primeiro projeto de ampliação de Lourenço
Marques [10] apresentado em 1887 (fig.1).
Este projeto, da responsabilidade da Direção de Obras Públi-
cas e sob coordenação do Major António Araújo, será o pri-
meiro de uma série de planos de urbanização da cidade que
culminarão nos anos 50 com o Plano de Urbanização de Lou-
renço Marques (1955), da responsabilidade do Gabinete de
Urbanização Colonial e com base nos levantamentos de João
António de Aguiar (1906-?), evidenciando a ampliação estru-
turada da malha urbana delineada no século XIX, segundo o
“padrão característico da época da cidade-jardim” [11], e a per-
sistência de uma mesma lógica de segregação e exclusão social
que ganha expressão física, nas primeiras décadas dos século
XX, com a construção do primeiro bairro indígena da cidade,
o Bairro Indígena de Xipamanine [12].
Porém, à margem de quaisquer planos pré-definidos ou po-
líticas de gestão urbana e sanitária previstas, a cidade teimou
em crescer numa lógica de ocupação de espaços periféricos,
onde se concentraram a maioria dos trabalhadores, indígenas
ou não. Espaços contíguos à urbe mas excêntricos aos planos
de melhoramento sanitários de que esta beneficiaria e, no iní-
cio do século XX, Lourenço Marques “tendo-se desenvolvido
materialmente a um ponto que só testemunhas presenciais
podem compreender, descurara inteiramente a saúde dos seus
habitantes” [13]
No início da última década do século XIX, Lourenço Marques
contava com uma população de cerca de 2300 habitantes, de
entre os quais menos de 1000 europeus [14], que, no entan-
to, em 1900 já eram 3319 e em 1904, 4711 [15]. Repartida
entre os bairros abastados da cidade alta, na Ponta Vermelha,
e os bairros da periferia, no Mahé e ao longo da estrada para
Marracuene ou para a Matola, onde se aglomeravam indíge-
nas, asiáticos e muitos trabalhadores europeus que sobrevi-
viam com salários miseráveis e em condições que se diziam de
“barbaridade higiénica” [13], toda esta população convivia na
cidade velha, na baixa junto à baía, onde os serviços, o comér-
cio, o porto e os caminhos-de-ferro constituíam o centro da
vida económica da cidade e da colónia.
Aqui, coexistiam casas de alvenaria com construções de pau a
pique e barracas de madeira e chapa de zinco; o “mato crescia
a olhos vistos nas orlas das ruas mais frequentadas e a sua de-
cicação [sic] constituí(a) matéria orgânica em decomposição,
atenta à elevada temperatura (…) e às chuvas torrenciais” [13]
sazonais que transformam as ruas de areia e terra batida em
charcos, onde se andava então enterrado até aos tornozelos;
o sistema de esgotos era incipiente, a recolha do lixo (ruas e
casas), que devia ser assegurada por carroças municipais, aca-
bava quase sempre por ser feita em baldes e barris carregados
“às costas de pretos” que os lançavam ao mar ou no pânta-
no. O processo era de tal modo moroso e anti-higiénico que
muitos eram os que abriam covas, junto às habitações, para se
vazar lixo comum, dejetos humanos e mesmo animais mortos.
A água era cara, imprópria para beber, “inquinada de maté-
rias estranhas” [17] e propícia ao desenvolvimento de culturas
microbianas; os produtos alimentares atingiam preços exor-
bitantes, o gado era morto nos quintais e pátios e os mortos
enterravam-se junto às habitações.
De acordo com o relatório de 1903, Moçambique seria “a pri-
meira colónia portuguesa que tem gente abastada e também
rica, e ao lado dela míseros, com habitações que oferecem to-
das as escalas do bem estar e da higiene, desde o palacete até à
espelunca (variedade de edifícios… a que chamam quartos)”
[17] e Lourenço Marques “a cidade onde se come bem e onde
se passa fome (que) assenta em areia e tem já a mais muito
pó, bastante porcaria, água impura e em pequena quantida-
de, bom líquido para culturas microbianas; onde enfim, diz-se
hoje, se vive bem mas se não morre de velhice” [17].
Doenças endémicas e epidémicas encontravam assim em Lou-
renço Marques um meio propício à sua proliferação. Às habi-
tuais vagas mais ou menos sazonais das febres palustres e doen-
ças respiratórias e gastrointestinais, juntavam-se facilmente a
disenteria, a tuberculose e a sífilis, de presença constante e
controlo difícil, e ainda a ténia e a lepra o que, em conjunto,
constituíam razões mais do que suficientes para o estado sa-
nitário “pouco satisfatório” da cidade e do distrito de que se
dava conta em quase todos os relatórios do Serviço de Saúde.
Porém, estas não eram o único flagelo com que os habitan-
tes de Lourenço Marques tinham de lutar. E só entre 1890 e
1908, a cidade (e por extensão o distrito) foi ainda palco de
4 epidemias de varíola (1890, 1898, 1902, 1907), 2 de sa-
rampo (1898, 1905), 1 de peste bovina (1897), 4 de peste
(1899, 1901, 1902, 1907), 1 de cólera (1899) 2 de beri-beri
(1901, 1902), 1 de dengue (1902), 1 de febre-tifoide (1903),
2 de meningite cérebro-espinal epidémica 1903 e 1908) e 1 de
difteria (1908) a que se juntaram situações pontuais de agra-
vamento de tuberculose (1901 e 1902) e da malária (1907),
tendo sido afetada praticamente toda a população, indistinta-
mente da raça, sexo ou idade (tab. 1).
A virulência de umas e a endemia de outras potenciou con-
tágios, despoletou reações e suscitou preocupações que, ao
longo deste período, se materializaram em medidas higiénico-
-sanitárias concretas, de entre as quais, a construção do ma-
tadouro e do cemitério municipal, o projeto de regulamento
sanitário da cidade e de reorganização do regulamento de sani-
dade marítima, a aprovação das medidas de combate a varíola
e as instruções específicas para sua aplicação, a publicação e
divulgação de medidas a adotar contra a peste ou ainda a re-
gulamentação da profilaxia antipalustre da cidade (tab.2)
Decorrendo emboa parte da aprovaçãodoRegulamentodos Ser-
viços Sanitários da Província (Decreto de 10 de agosto de 1907)
Medicina tropical e ambiente