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o conjunto destas medidas veio reforçar as que habitualmente

eram tomadas à medida que a cidade se confrontava com surtos

pontuais de doenças que obrigavam a quarentenas, ao isolamento

dos potenciais doentes e a desinfestações, e complementou-se

com campanhas de vacinação em larga escala, sobretudo a par-

tir de 1907, e uma maior regularidade das visitas sanitárias, da

responsabilidade do delegado de saúde ou do seu representante,

na tentativa de debelar o que se considerava serem os maiores

flagelos: a varíola e a peste, que afetavam maioritariamente os

africanos, e a malária, que dizimava os europeus.

As duas primeiras, contagiosas, impunham o isolamento e

comungavam dos mesmos preceitos higiénico-sanitários. Em

1898, criou-se uma polícia sanitária de inspeção domiciliária

para remover doentes para os pavilhões de isolamento, pôr de

quarentena potenciais infetados, queimar as habitações depois

de removidos os habitantes, determinar alterações ou demolir

as restantes habitações, referenciar locais de enterramento de

anteriores infetados, proceder à desinfestação de toda a área

potencialmente contaminada e, no caso da varíola, proceder

obrigatoriamente a vacinações.

Em 1898, não havendo ainda enfermaria para va-

riolosos em Lourenço Marques, repartiram-se os

infetados entre o lazareto provisório da Ilha da Xe-

fina e uma moradia isolada, num espaço ajardinado

que viria mais tarde a integrar o Jardim Municipal

Vasco da Gama [28], e só 8 meses depois de decla-

rada a epidemia foi possível abrir uma enfermaria

para variolosos, na cidade, apesar de esta ser tam-

bém utilizada para isolar outras situações suspeitas

de contágio [16].

No caso da peste, os doentes foram confinados aos

lazaretos criados fora da cidade, na Ilha dos Ele-

fantes e, sobretudo em Magude, onde desde 1899

estavam montadas meia dúzia de barracas de ma-

deira e capim que constituíam os dois primeiros

lazaretos (um terrestre e um fluvial) do distrito

[18];Nenhum destes lazaretos foi evacuado durante este período

tendo as suas instalações, falhas de quaisquer condições higié-

nico-sanitárias, servido em simultâneo para acolher leprosos e

doentes infetados de varíola e peste, e só a ameaça de um surto

de “peste sul-africana”, em 1901, levou a Junta de Saúde a tomar

medidas higiénico-sanitárias adicionais, de natureza preventiva,

extensivas a toda a cidade e, por isso, commaior impacto na saú-

de pública [19].

Estas medidas (tab. 3) contemplavam inspeções sanitárias e inter-

venções nos locais de trabalho, habitações e espaços públicos ou

de uso comum. Impunham obrigações de limpeza e preceitos de

higiene, definiam e apartavam espaços de trabalho e de habitação

[20], prevendo desde logo a imposição de sanções por desrespei-

to ou incumprimento [21]. Porém, e apesar das eventuais san-

ções em que se podia incorrer, muito dificilmente estas medidas

seriam cumpridas pelas famílias pobres de africanos, asiáticos e

mesmo europeus que, com salários miseráveis, se amontoavam

nos bairros periféricos da cidade, sem quaisquer condições de

higiene e habitabilidade [22].

Fig. 2:

Instruções sobre a varíola e meios de a combater e evitar. Lourenço Marques, 1902

Medicina tropical e ambiente

LOURENÇO MARQUES: JUNTA DE SAÚDE, 1901

MEDIDAS HIGIÉNICO-SANITÁRIAS ADICIONAIS

Obrigação de despejar os armazéns, limpá-los com ácido sulfuroso, caiá-los e providenciar ao seu arejamento antes de

armazenar cereais ou outros produtos

Proibição dos armazéns servirem de dormitório aos empregados

Obrigação de caiar internamente as habitações e demolir todas as palhotas e barracas sem condições de habitabilidade

Obrigação de limpeza de cisternas, tanques e reservatórios de água, terraços, pátios e quintais, queimando todos os

detritos vegetais e animais e eliminando todas os equipamentos, géneros e condições, designadamente charcos e

concentrações de águas paradas, que pudessem ser prejudiciais à saúde

Investigação das condições de cada habitação “em harmonia com espaço cientificamente necessário a cada indivíduo” -

14m3 / pessoa - reprovando as que não obedecessem a esses requisitos ou indicando as obras e transformações

possíveis nesse sentido

Imposição de sanções por desrespeito ou incumprimento

(multa, prisão, proibição de habitar na cidade…)

Tabela 3

- Lourenço Marques: principais medidas adicionais aprovadas e implementadas pela Junta de Saúde em 1901