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dade barata que, para além do consumo nos centros urba-

nos, seria utilizada na exploração de minério existente nos

solos abrangidos pela bacia do rio ou perto dela. Previa-se

até a transformação desse minério

in situ

, para cujo efeito

seriam instaladas indústrias siderúrgicas, grandes consumi-

doras de energia. Se, por um lado, a concretização destes

projetos exigia a deslocação de pessoas, nomeadamente o

afastamento dos indígenas dos seus

habitats

tradicionais; por

outro lado, o aproveitamento das bacias hidrográficas resul-

taria em polo de atração de mais pessoas, nomeadamente

colonos brancos.

Na análise do aproveitamento da bacia do Zambeze, veri-

fica-se que este se inscreve no discurso português sobre

o desenvolvimento colonial influenciado claramente pelo

contexto internacional, o que poderá explicar a evolução

gradual que os modelos de desenvolvimento português

sofreram através dos tempos. De um modelo tecnocráti-

co, mais focado na economia e nas infra-estruturas, outro

emerge, revelando uma viragem “towards the ‘human side’

of development (…), which is evident in the Midterm Plan

and theThird Development Plan” [18:79] e que terá estado

na origem do carácter inédito, no contexto português, das

preocupações sobre o impacto ambiental da barragem de

Cabora Bassa.

3.

Lagos artificiais

– o caso de Cabora Bassa

A barragem de Cabora Bassa insere-se no Plano de desenvol-

vimento do Zambeze, cuja execução era da responsabilidade

do Gabinete do Plano do Zambeze (GPZ) e que compreen-

dia não apenas a construção daquela barragem, com uma al-

bufeira de aproximadamente 2700 quilómetros quadrados,

mas um vasto programa integrado que abrangia cerca de um

quarto de Moçambique: com 137000 quilómetros quadra-

dos de base, o qual com as zonas “co-interessadas” aumenta-

va para 220000 quilómetros quadrados (duas vezes e meia a

área da Metrópole) [1].

Este plano de desenvolvimento visava concretizar três ob-

jetivos específicos, a saber: o aproveitamento dos valiosos

recursos naturais da região, o progresso social e económi-

co das populações e o adensamento da ocupação humana de

extensas áreas, então consideradas fracamente povoadas.

Segundo os engenheiros Fontes, Coutinho e Casanova, este

plano foi realizado “ao longo de nove anos (maio de 1956 a

agosto de 1965)” [20] e terá custado 200 mil contos, segun-

do Bettencourt Moreno [19]. Embora tivesse sido pensado

antes, na verdade sofreu um impulso em março de 1956,

quando as autoridades portuguesas tomaram conhecimento

oficial da construção barragem de Kariba. Por despacho do

Ministro do Ultramar de 10 de março de 1956 foi entregue

o “estudo imediato dos rápidos de Cabora Bassa, no Zambe-

ze, para aproveitamento hidroeléctrico e possivelmente hi-

droagrícola” à Brigada de Estudos Hidráulicos do Revuè, sob

orientação do engenheiro Abecassis Manzanares, que elabo-

rou o “Relatório da visita efetuada a Moçambique e Rodésia

do Sul entre 27 de maio e 17 de junho de 1956”. Com base

neste relatório, foi criada a Missão de Fomento e Povoamen-

to do Zambeze e contratada a Hidrotécnica Portuguesa para

orientar tecnicamente aquela Missão, bem como para ela-

borar os estudos necessários à programação do fomento e

povoamento da bacia do rio Zambeze e zonas adjacentes em

Moçambique [20,21].

Esses estudos foram desenvolvidos em três fases e deram

origem ao Relatório Preliminar (1957-1958), com o reco-

nhecimento geral dos recursos naturais, programação da sua

inventariação e quantificação dos inerentes custos; ao Esque-

ma Geral (1959-1961), com a avaliação das possibilidades

económicas globais da região e seleção das potencialidades

– objeto de estudo na fase seguinte; e ao Plano Geral (1962-

1965), com os anteprojetos das obras selecionadas na fase

anterior e o planeamento dos empreendimentos de maior

interesse para o arranque do desenvolvimento do Vale do

Zambeze. No Plano Geral são apontadas detalhadamente as

potencialidades da bacia hidrográfica nos domínios da agri-

cultura, da silvicultura, da pecuária, dos recursos mineiros

e da energia.

Face à vastidão territorial e aos recursos inventariados, as

autoridades portuguesas definiram prioridades e, entre elas,

estava a construção da primeira fase do empreendimento

hidroelétrico de Cabora Bassa, com as respetivas linhas de

transporte de energia. A barragem de Cabora Bassa iria, po-

rém, criar uma albufeira que então se entendeu “levanta[r]

questões importantes no domínio da ecologia com repercus-

sões nos vários setores da atividade humana.” [1:1]

3.1.

Estudos do impacto ecológico de Cabora Bassa

Como Rui Lopes [20] descreve, o processo que levou à con-

cretização do empreendimento de Cabora Bassa enfrentou

muitas dificuldades políticas e económicas, por isso, o con-

trato de execução das obras só foi realizado em outubro de

1969. Seguidamente, na Junta de Investigação do Ultramar,

foi criada a “Comissão Orientadora da Investigação Científi-

ca na área a inundar pela albufeira de Cabora Bassa”, com os

objetivos de adquirir “conhecimentos impossíveis de obter

após a inundação da área” e prever as “alterações ecológicas”

provocadas pela criação da albufeira. No texto das “Bases para

o Estabelecimento do Programa Geral da Comissão Orien-

tadora da Investigação Científica na Área a Inundar pela Al-

bufeira de Cabora Bassa”, os responsáveis pela investigação

manifestam duas preocupações, a saber, o tempo limitado

para a concretização das pesquisas, uma vez que a albufeira

começaria a encher em junho de 1974; e a responsabilidade

que lhes estava a ser atribuída.Tal como os membros da Co-

missão evidenciam:

Medicina tropical e ambiente