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A n a i s d o I HM T
nismo das Nações Unidas, havendo uma clara correspondên-
cia entre os pontos que a Comissão preconizou na proposta
do programa de trabalhos e os da obra.
Porém, há dois aspetos a reter a este respeito, o primeiro é
que as resoluções das Nações Unidos “impendiam” sobre as
decisões tanto das autoridades quanto dos cientistas portu-
gueses, sendo qualquer recomendação emitida por qualquer
dos seus organismos vista como a ser seguida. A segunda é
que as questões relativas às deslocações das populações ine-
rentes ao enchimento da barragem estudadas pela Brigada de
Estudos Económico-Sociais, da Missão de Fomento e Povoa-
mento doVale do Zambeze, datam de 1967, sendo portanto
anteriores à publicação da obra em análise. O que aponta
para um conhecimento por parte das autoridades, dos técni-
cos da administração e dos cientistas portugueses das obras
de referência utilizadas pelos autores do guia da FAO.
De qualquer modo, torna-se notório, inclusive nas palavras
da Comissão que existe uma cumplicidade entre os atores
históricos no que diz respeito às intenções com que eram
seguidas em Portugal as recomendações dos organismos
das Nações Unidas, as quais Cueto Rodríguez denuncia
como “la farsa que Portugal persiguió”, visando “robuste-
cer los apoyos en la Metrópoli a la causa, por extender los
externos y por ganarse la lealtad de la población autóctona
contra a los proyectos “revolucionários” de los movimien-
tos de liberación, los méritos demostrables en materia so-
cial y económica adquirían una relevancia sobresaliente.”
[16:2723]
Independentemente das intenções da política colonial, o fac-
to é que a ação colonial portuguesa contribuiu para a tran-
sição para um novo paradigma na medicina tropical, a qual
incluía até então uma atenção ao ambiente, na tentativa de
compreender a epidemiologia das doenças, por um lado, e
agindo sobre o ambiente, alterando-o, no sentido de con-
trolar as condições que provocavam ou que agravavam as
doenças tropicais, por outro. No entanto, em
consequência
dos lagos artificiais, o que passa a estar incluído nas investi-
gações são os perigos para a saúde resultantes das alterações
introduzidas pelo homem no meio ambiente e que levanta-
vam questões tanto de saúde física como mental. Isto é, antes
agia-se sobre o ambiente alterando-o para controlar condi-
ções que provocam ou agravavam doenças, depois passou a
investigar-se os perigos para a saúde resultantes de alterações
massivas do meio ambiente e a agir sobre as consequências
na saúde do homem daí decorrentes.
Neste momento, não tive ainda acesso às fontes que me pode-
rão fornecer dados sobre o que terá sido feito em Moçambi-
que a este respeito, isto é, se o programa de trabalhos da Co-
missão foi executado e em que medida. Pois, segundo Pedro
Abranches, não tendo havido em 1971 e 1972 referências nos
respetivos relatórios de atividades relativas à colaboração com
o IHMT, presume-se que esta colaboração entre o IHMT e as
autoridades coloniais em Moçambique terá sido praticamente
inexistente.Tal como PedroAbranches refere:
(…) as relações do IHMT com o Instituto de Inves-
tigação Médica de Moçambique foram apenas de or-
dem cultural (…) Uma única vez é referido um está-
gio de um elemento do Instituto de Moçambique na
ENSPMT, e isto apesar desse Instituto Provincial de
Saúde Pública ser dirigido por um antigo assistente
do IMT, Dr. LuísTomás de Almeida Franco. [4:108]
Na verdade, no âmbito de uma política colonial de descen-
tralização tinham sido criados em meados dos anos 1950 os
Institutos de Investigação de Angola e Moçambique (1955)
bem como Missões Permanentes na Guiné e S.Tomé e Prín-
cipe, aos quais o IHMT prestava colaboração e para onde os
cientistas no terreno enviavam dados. Mais tarde, em 29 de
outubro de 1970, pelo decreto-lei nº 509/70, foram criados
e regulamentados os Institutos Provinciais de Saúde Pública
de Angola e Moçambique, mais uma medida que ilustra, por
um lado, o seguidismo das autoridades portuguesas das reco-
mendações das Nações Unidas, mas por outro, a negação de
que possuía colónias, pelo que não tinha que descolonizar.
Considerações finais
No período que se seguiu à Segunda Guerra Mundial, o de-
senvolvimento dos territórios africanos foi visto como um
fator de relevo na recuperação económica da Europa devas-
tada pelo conflito, designadamente através do aproveitamen-
to das bacias hidrográficas, com produção de eletricidade
barata para fomentar a agricultura, a criação de gado, a in-
dústria extrativa e transformadora, e a colonização branca.
Este movimento desenvolvimentista registou-se tanto no
âmbito internacional como nacional. A particularidade do
caso nacional residiu no facto das autoridades portuguesas
se terem visto confrontadas com a necessidade interna de
realizar um investimento tardio nas colónias africanas com
vista ao seu desenvolvimento, mas sob pressão externa, no-
meadamente das Nações Unidas.A questão era não estar em
causa apenas o desenvolvimento da economia do império,
mas o desenvolvimento económico e social das populações
indígenas, com vista à sua autonomização. As autoridades
portuguesas resistiram sempre a considerar a descoloniza-
ção, negando que os territórios africanos fossem colónias,
mas províncias ultramarinas, isto é, parte integrante do ter-
ritório de uma nação pluricontinental. De modo a aliviar a
pressão externa, o modelo de desenvolvimento das colónias
africanas portuguesas evoluiu, efetivamente, de um mode-
lo mais tecno-burocrático, para um mais económico-social
que tinha ainda, depois de ter eclodido a Guerra Colonial,
o objetivo de levar as populações indígenas a perceber que
estariam melhor sob administração portuguesa que dos mo-
vimentos de libertação.
Foi neste contexto que se enquadrou tanto o trabalho da Bri-
gada de Estudos Económico-Sociais, da Missão de Fomento