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A n a i s d o I HM T

Porque consideradas práticas indispensáveis à melhoria das con-

dições de vida e saúde da população e não exclusivas do combate

à peste, estas medidas reaparecerão como providências a tomar

para debelar os surtos de varíola [21], sendo postas em vigor pela

Portaria Provincial nº650 de 4 de novembro de 1901 e publica-

das em folheto explicativo, editado pela Imprensa Nacional de

Lourenço Marques, em 1902 (fig. 2), para ser distribuído por

todas as sedes de distrito e de prelazia [23].

Anos mais tarde, serão também incorporadas no Regulamen-

to de prohylaxia anti-palustre da cidade, aprovado e posto em

execução em 1907 [24], como indispensáveis à criação de um

ambiente saudável e adverso à proliferação de mosquitos, para

o que se referiam ainda outras recomendações que, apontando

para uma proteção adicional, incluíam desde a utilização de re-

des mosquiteiras nas camas, janelas e portas, à abolição de re-

posteiros no interior das habitações e de trepadeiras fora delas,

ou ainda à “petrolagem das estagnações das águas”, acumuladas

em quintais, baixas e sargetas de ruas [25] que não pudessem ser

eliminadas.

Não sendo uma doença de contágio direto, o isolamento do

doente era recomendado pois sabendo-se que “os mosquitos in-

fetam-se sugando o sangue dos doentes impaludados… (era) de

toda a vantagem isolar estes doentes em quartos protegidos ou

por meio de mosquiteiros” [25], para que estes se mantivessem

fora do ciclo de transmissão. Porém, pretendia-se que a tónica

fosse posta na erradicação das situações que propiciavam condi-

ções favoráveis ao aparecimento e disseminação da doença; sen-

do particularmente relevante o investimento no saneamento dos

terrenos pantanosos e alagadiços.

As estratégias de combate a estas doenças assentavam assim num

conjunto de preceitos e procedimentos base, comuns, que bene-

ficiariam tanto do investimento no reforço de medidas preventi-

vas, como num número significativo de obras públicas que, por

princípio, a todos favoreceria. Por isso se esperava o envolvimen-

to direto da população, também ela responsabilizada pela falta de

higiene e limpeza da cidade, o que facilmente se depreende das

conclusões de um dos trabalhos do Instituto Médico de Louren-

ço Marques onde se sublinha que “não era o pântano a única cau-

sa, embora fosse a principal, do número elevado de impaludados;

haveria que atribuir culpas também à falta de drenagem das águas

da parte alta e da parte baixa da cidade, à falta de canalização das

águas e… haveria igualmente que atribuir culpas ao desleixo e

à falta de higiene de muitos dos habitantes da cidade” [26], não

deixando margem para dúvidas que o pântano não era o único

responsável pela insalubridade da cidade e pelos surtos recorren-

tes de febres palúdicas [25].

Serviços de Saúde e de Obras Públicas pareciam assim em sin-

tonia no que tocava a políticas de saúde pública e urbanização

embora, no balanço dessa sintonia, se identificasse facilmente a

população indígena e asiática como causa maior das doenças, e a

população branca o alvo preferencial das medidas preventivas e

principal beneficiária destas, e na generalidade das de saneamen-

to e obras públicas da cidade.

O plano deAntónio JoséAraújo (fig. 1) indiciava claramente esta

situação quando propunha e identificava já uma área a destinar ao

bairro indígena e, neste contexto, as medidas tomadas no sentido

do combate das principais doenças concretizaram, de forma ine-

quívoca, essa ideia de segregação e exclusão social que lhe estava

implícita.

Mau grado a cooperação internacional com outros especialistas

[27], os progressos científicos que viabilizavam a eficácia das vaci-

nas e os novos meios de diagnóstico e tratamento, sobretudo no

caso da malária, que refletiam os avanços significativos no campo

da saúde pública, a maioria das ações propostas e implementa-

das pelos Serviços de Saúde em Lourenço Marques, mais do que

atuar eficazmente na profilaxia das doenças, relegou-as para a pe-

riferia da cidade, onde nenhuma intervenção foi feita no sentido

de dotar essas áreas de condições de higiene e saneamento.

No início do século XX, os subúrbios de Lourenço Marques em

crescimento constituíam-se como repositórios das situações que

se queriam erradicar da cidade em prol da saúde pública e do

bem-estar dos moradores. Acentuava-se a dicotomia cidade de

cimento / cidade de caniço, traduzida em formas de tratamento

diferenciadas, que impunham e justificavam a segregação do indí-

gena porque, independentemente de todos os fatores que contri-

buíam para o estado de saúde “deficitário” ou “pouco satisfatório”

da cidade, ele - o indígena - era considerado o principal fator de

doença e primeiro responsável pela insalubridade da cidade e,

muito particularmente, da propagação da malária.

Veja-se, por exemplo, a ata da reunião da Junta de Saúde de Lou-

renço Marques, em maio de 1912 onde se lê que “…a presença

do indígena dentro dos centros de população europeia consti-

tui um perigo, por serem reservatórios de vírus, especialmen-

te do vírus malárico, e que tem levado os hygienistas a aconse-

lharem a remoção dos bairros indígenas para pontos afastados

das populações europeias, pois qualquer tentativa de profilaxia

anti-palustre seria infrutífera em quamto se conservassem jun-

to d’essas populações taes focos de infeção…” [29], ou o Art.

10º do já referido regulamento da profilaxia anti palúdica onde

se explicita que “os brancos não devem dormir no mesmo lo-

cal com os pretos, porque estes atraem os mosquitos mais do

que aqueles, e será de toda a vantagem que nas casas dos bran-

cos não haja alojamento para pretos” [23].Ambos os textos em

consonância com as propostas concretas dos responsáveis pelo

Serviço de Saúde da cidade, designadamente no que respeita

à construção de bairros indígenas exclusivamente para pretos,

onde apenas se permitiria a construção de palhotas ou de bar-

racas de madeira e zinco iguais às que se demoliam e não eram

permitidas na cidade, sendo proibidas todas as edificações em

alvenaria “para que as mesmas pudessem ser facilmente des-

truídas, e sem grandes prejuízos, quando disso houvesse uma

imperiosa necessidade” [23].

É esta atitude que perpassa a documentação oficial e os exem-

plos aqui utilizados testemunham claramente que esta arti-

culação doença/saúde/crescimento urbano teve um papel

determinante na forma particular de atuação dos Serviços de

Saúde em Lourenço Marques, no início do século XX, evi-

denciando o carácter colonial dos seus objetivos, ao imporem