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pelo autor. Como defende Kapil Raj, a circulação do conhe-

cimento pelas redes de informação permite-nos perceber

como a ciência foi coproduzida pelo encontro e interação de

comunidades heterogéneas e de especialistas de diversas ori-

gens [10]. Assim, a obra do frei boticário possui um caráter

sincrético singular, onde os usos medicinais tradicionais do

Brasil existem em correspondência com as bases científicas

da segunda metade do século XVIII. Nesse sentido, destaca-

-se a defesa de um entendimento flogista das propriedades

químicas das plantas abordadas em

Historia Pharmaceutica das

Plantas Exóticas.

Anteriormente a emergência de Antoine Lavoisier (1743-

1794) e seus estudos sobre a natureza do oxigénio - que

acabaram por modificar todo a química moderna - a teo-

ria do flogisto era o paradigma hegemónico até então

[11]. Desenvolvida por Georg Ernst Stahl (1659-1734) a

partir dos estudos de seu mentor, Johann Becher (1635-

1682), a teoria defendia que os corpos possuíam uma ma-

téria característica, denominado flogisto, qual era libera-

da através do processo de combustão [12]. Para tal, uma

vez expostos as chamas

3

, os compostos tendiam a perder

peso devido a liberação do flogisto, ou mesmo manter-

-se estáveis em razão da inexistência expressiva desse ele-

mento.

A influência desses dois autores é explícita nas obras do

frei João de Jesus Maria. Em

Phamacopea Dogmatica

, Jesus

Maria cita

Opusculum Chymico-physico-medicum

(1715) de

Stahl e

Physica subterranea

4

(1669) de Becher como obras

de referênca para todos os desejosos de exercer a profis-

são boticária.

Enquanto sua obra anterior é norteada pela copilação dos

saberes dispostos nas obras de médicos boticários e filó-

sofos naturais de renome, em

Historia Pharmaceutica das

Plantas Exóticas

o frei boticário explora de maneira mais

acentuada o empirismo e o registro das experiências rea-

lizadas com as plantas medicinais brasileiras. A descrição

da casca de barbatimão (

Stryphnodendron sp

.) é um exem-

plo de como o experimento ocupou um espaço relevante

em sua segunda obra. Sobre a casca, Jesus Maria afirmou

que as mesmas “(…) se separa do tronco de certas arvo-

res, que abundantemente crescem nas Minas Geraes do

Ouro Preto, juncto a Villa Rica pelas Azinhagas arrima-

das as terras cultivadas (…)” [6]. Uma vez identificada

a dispersão geográfica de tal espécie da flora brasílica, o

autor passa a discorrer sobre sua capacidade anti hemor-

rágica. Para tanto, descreve a maneira correta de prepa-

ração, que consiste na maceração e diluição da casca em

água, seguida de cocção e adição de gostas de espírito de

vitríolo

5

.

Ainda sobre a casca de barbatimão, o frei boticário reve-

la suas experiências para compreensão das características

químicas que determinavam suas propriedades terapêuti-

cas. Para tanto, e alinhado aos paradigmas que norteavam

o conjunto teórico qual possuía, Jesus Maria narra seu

experimento ao lançar ao fogo tal casca. Assim, afirmou

o autor que “esta casca naõ sentilla no fogo, nem nelle

recebe chama, naõ dando minimo indicio de particulas

inflamaveis (…)” [6]. A observação proveniente da reação

que o barbatimão poderia ter – ou, no caso, não ter – ao

ser exposto ao fogo advém de uma compreensão flogista

de como a planta constituía-se. Em sua observação, Jesus

Maria assinala que a casca oriunda da árvore do cerrado

brasileiro não possuía em sua constituição flogisto o su-

ficiente qual pudesse inflaram-se e, dessa forma, perder

peso.

Além da influência das ideias de Stahl, outro personagem

que aparece com frequência nas obras do frei é o botânico

sueco Carl Linnaeus (1707-1778), reconhecido como o

criador da nomenclatura binominal em latim

6

e da taxo-

nomia botânica moderna. Todavia, percebemos uma dis-

crepância quando analisamos o peso de tal influência nas

duas obras de Jesus Maria. Relativamente a

Phamacopea

Dogmatica

, o frei boticário cita Linnaeus, ao lado de Stahl

e Becher, como uma das referências teóricas que um bom

boticário deveria seguir. Mas, apesar de inserida como

obra de caráter essencial, o

Systema Naturae

7

surpreenden-

temente aparece nas páginas da farmacopeia como livro

importante apenas por tratar de animais e seu sistema de

classificação, ignorando nesse momento sua importância

na classificação da flora.

A tímida influência do sistema lineano na

Phamacopea Dog-

matica

evidencia-se

na classificação apresentada nas entra-

das relativas às plantas terapêuticas ali compiladas. Carac-

terístico nas obras do período, antes de abordar as pecu-

liaridades e virtudes terapêuticas de determinada planta,

o autor faz uma breve exposição dos nomes atribuídos a

ela, os autores de quem tais denominações foram retira-

das e, caso conste, as nomenclaturas populares que a plan-

ta pode ter em diferentes países. A exemplo do género

ricinus

, que se divide em diversas espécies popularmente

conhecidas como mamoneiro ou carrapateiro, Jesus Ma-

ria identifica entre outras, a espécie

Ricinus maior America-

nus

8

, qual poderia ser encontrada em diversas localidades

da América tropical, incluindo a colónia portuguesa no

Novo Mundo

9

. Entre as nomenclaturas usadas para sua

classificação, não se encontra nenhuma identificação de

Linnaeus. Porém, de maneira diversa a sua primeira obra,

ao retratar a mesma planta em

Historia Pharmaceutica das

Plantas Exóticas

, Jesus Maria assinala que sua classificação

foi realizada pelo botânico sueco, assinalada pelo binómio

Jatropha curcas

.

Para além do rícino, o manuscrito de 1777 apresenta

numerosa referência a classificação binominal lineana ao

longo de suas páginas. O contraste relativo ao peso da in-

fluência Linnaeus existente entre as duas obras infere, em

primeiro lugar, um desenvolvimento do aporte teórico

do frei boticário ao longo do espaço temporal existente

entre a produção das duas obras. Ainda que o interva-

Medicina tropical e ambiente