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Segundo seus biógrafos [5,6,7]

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, além de ter comprovado a in-

fluência exercida pelo Iluminismo nas bases ideológicas da Revo-

lução de Maio – através da existência de obras que difundiam “as

novas ideias” nas bibliotecas do Rio da Prata –, Furlong dedicou-

-se a evidenciar a influência que os jesuítas – “homens de forma-

ção séria e de grande cultura” – exerceram no desenvolvimento

das ciências e da filosofia na América platina. Outros estudiosos

de sua obra afirmam que seu maior mérito foi o de ter descober-

to manuscritos e recuperado edições de livros já esgotados, que

teriam contribuído decisivamente para a análise crítica que reali-

zou da visão de uma “infecunda Escolástica” largamente difundida

à época em que divulgou seus trabalhos.

Esta perceção, aliás, fica bem evidente na obra

Medicos Argenti-

nos durante la dominación hispanica

, em especial, nas críticas que

Furlong faz ao texto produzido pelo Dr. Felipe Barreda Laos,

que precede o texto da

Materia Medica Misionera

, do irmão Pedro

Montenegro, editado pela Biblioteca Nacional de Buenos Aires,

em 1945. Furlong qualificou o texto como “paupérrima e des-

centrada notícia”, acusando seu autor de “menosprezar a ciência

médica colonial (…) vincul[ando-a] à cultura escolástica impreg-

nada de aristotelismo” e, assim, não reconhecer o espírito de

modernidade presente na obra do jesuíta Montenegro. Furlong,

aliás, desferiu críticas a todos os pesquisadores que, segundo ele,

vinham “tão desdenhosamente” tratando o assunto com “preo-

cupações nada científicas”, manifestando-se “depreciativamente

sobre a Escolástica”. Estes, segundo ele, “não apenas não [eram]

capazes de entender”, como percebiam o passado apenas como

“o império do obscurantismo monacal” [8: 68-71].

Para Furlong, antes mesmo dos médicos fundadores da Escola de

Medicina de Buenos Aires, os missionários jesuítas [que haviam

atuado como médicos, cirurgiões, físicos, boticários e naturalis-

tas] deveriam ter seus estudos reconhecidos, pois “trabalharam

com dedicação e, ao mesmo tempo, com singular modéstia,

na assistência aos enfermos e ao estudo da nossa flora medici-

nal, aportando valiosos dados, referidos pelos autores que têm

se ocupado destes temas” [8: 72]. Os jesuítas Suárez, Asperger,

Montenegro e Falkner estariam, segundo ele, à espera deste re-

conhecimento pelas novas gerações [8: 72].

Neste estudo de 1947, Furlong advertiu que “somente quando

fo[ss]em publicados os diversos códices de medicina missioneira

que ainda permanec[ia]m inéditos se poder[ia] avaliar o quanto

seus autores [haviam sido] – ou não – originais”. Para ele, assim

como para o historiador argentino Garzón Maceda, a obra

Mate-

ria Medica Misionera

, do Ir. Pedro Montenegro, era, sem dúvida,

o manuscrito mais completo que havia circulado na região pla-

tina no século XVIII, “apresenta[ndo] muito de original, não se

constituindo em simples cópia de trabalhos de autores doutos”.

Assim como Leonhardt, seu companheiro de ordem, Furlong

destacaria que:

Cabe,sem dúvida,aos jesuítas,a glória de haver sido os que mais

estudaram a botânica rioplatense e os que mais aproveitaram as

propriedades médicas de nossas plantas. Sempre e em todos os

países mostraram os jesuítas grande inclinação ao estudo da his-

tória natural, mas em nenhuma região se dedicaram com maior

afinco e êxito do que nas virgens terras americanas. (...) Com

toda razão disse E.Y.Dawson [trata-se do botânico norte-ameri-

cano ElmerYale Dawson],que a história natural no Rio da Prata

tinha contraído uma dívida de gratidão com a Companhia de

Jesus

[8: 197-198].

Como se pode constatar, tanto Leonhardt, quanto Furlong des-

tacaram o ardor apostólico, a caridade e a singular modéstia de

padres e irmãos jesuítas que se dedicaram à conversão dos indí-

genas na América. Já a capacidade de observação e o empenho

que muitos deles demonstram na aquisição de conhecimentos

relativos à medicina e à farmacopeia americana foram apresen-

tados como uma decorrência desta conduta exemplar e, espe-

cialmente, da observância das orientações da própria Companhia

de Jesus.

É preciso, no entanto, considerar que a reconstituição das traje-

tórias de vida de padres e irmãos jesuítas que atuaram nas artes

de curar, empreendida por estes dois historiadores jesuítas, es-

teve, sem dúvida, condicionada à valorização de um modelo de

missionário – caridoso e abnegado – que a ordem honra, celebra

e guarda, desde a sua criação no século XVI, mas, também, – e

inegavelmente – associada à posição que a Companhia de Jesus

viria a assumir, ainda no século XVIII, diante de uma historio-

grafia anti-jesuítica, empenhada em vincular a ordem à obstru-

ção do pensamento científico nos países e regiões de colonização

ibérica.

Moisés Bertoni e a civilização Guarani

Dentre os que também se dedicaram à reflexão sobre o lega-

do dos jesuítas para a botânica e à medicina, encontra-se tam-

bém o naturalista e botânico suíço Moisés Santiago Bertoni, tido

como um dos últimos enciclopedistas por seus biógrafos [9,

10,11,12].

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Desde muito jovem, Bertoni demonstrou interesse

por agronomia,meteorologia,mineralogia, botânica e geografia,

e por influência paterna, expandiu seus estudos também para os

temas antropológicos e políticos.

Tinha apenas 17 anos, quando montou um observatório meteo-

rológico em Lottigna, sua cidade natal. Em 1883, ainda na Suíça,

lançou uma revista –

Rivista Scientifica Svizzeta

– que reuniu temas

relacionados às ciências naturais, antropologia, sociologia, geo-

grafia, estatística e agricultura, além das observações meteoroló-

gicas que havia realizado. Sabe-se que estudou ciências jurídicas,

físicas e naturais nas Universidades de Genebra e Zurique e que

seu maior propósito ao dirigir-se àAmérica era o de instalar uma

colónia agrícola no Novo Mundo, o que se deu, primeiramente,

na província de

Misiones

(Argentina), de 1884 a 1887, e, depois,

de 1887 a 1929, no Paraguai,

6

onde, em 1894, fundou a colónia

Puerto Bertoni.

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Um ano depois, em 1895, o General Juan Bautista Egusquiza,

então presidente da República do Paraguai, o convidou para fun-

dar e dirigir a

Escuela de Agricultura

, cargo que ocupou por nove

Medicina tropical e ambiente