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A n a i s d o I HM T
nuscrito atribuído ao padre jesuíta Buenaventura Suarez.
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Ao destacar a prática da cópia e da apropriação de imagens de
textos de outros autores,Arata refere a obra de outro jesuíta, o
padre SegismundAsperger, afirmando que são bastante questio-
náveis as propriedades que ele atribui a determinadas plantas e
que, ao cotejarmos as descrições feitas pelo padreAsperger com
as que fez o irmão Montenegro, ficará evidente que o primeiro
“copiou os escritos daquele que deve ter sido seu mestre, Pedro
Montenegro” [3: 445]. Omesmo pode ser dito sobre o padre je-
suítaThomas Falkner, que também teria se valido de uma das inú-
meras cópias domanuscrito deMontenegro, que circularampela
América platina. SegundoArata, na obra deAsperger podem ser
encontrados relatos de experimentos realizados porMontenegro
com o
arazá
, por exemplo, e que são apresentadas como tendo
sido realizadas por ele, que, na ocasião, contava com apenas 17
anos, e ainda não se encontrava naAmérica.
Para o médico argentino, coube à “grande expedição botânica” fi-
nanciada pelo Rei Carlos III que conferiu cientificidade aos conhe-
cimentos sistematizados pelos missionários jesuítas. Para ele, todo
conhecimento de botânica médica existente à época – produzido,
exclusivamente, por “empíricos”, como os jesuítas – foi “redesco-
berto à luz da ciência” porAzara, Demersay, Moussy, Humboldt,
Bompland,Molina,Velloso eArruda Câmara [3: 187].
Se nas décadas finais do século XIX, leigos como o médico Pe-
dro Arata e o botânico suíço Moisés Bertoni, sobre o qual nos
deteremos em tópico específico, se dedicaram à reflexão sobre
o papel desempenhado pelos missionários jesuítas na implan-
tação de uma cultura científica na América platina, também
historiadores da Companhia de Jesus se dedicaram ao tema,
como o padre jesuíta Carlos Leonhardt, que, nas primeiras
décadas do século XX, juntamente com o reconhecido histo-
riador Emilio Ravignani, reuniu – em dois tomos – as
Cartas
Anuas de la Província Jesuítica del Paraguay de la Compañía de Jesús,
na
Colección de Documentos para la Historia Argentina,
publicadas
pelo
Instituto de Investigaciones Históricas de la Facultad de Filosofía
y Letras
, da Universidade de Buenos Aires.
Em
Los jesuítas y la medicina en el Rio de la Plata
, artigo publicado
em 1937, Leonhardt afirma que os jesuítas se dedicaram às artes
de curar, apesar de estarem impedidos de exercer a medicina e
a cirurgia.A atuação dos missionários esteve, segundo ele, asso-
ciada à necessidade – devido “à penúria médica” e às “especiais
circunstâncias que exigiam a prática médica” – e à prática da cari-
dade cristã, que visava à edificação e os forçava “moralmente […]
a socorrerem os necessitados.” Leonhardt ressalta que a autoriza-
ção expedida pelo Papa Gregório XIII, em 1576, deixava claro
que os missionários deveriam atender, excepcionalmente, isto é,
“quando exigia a caridade ou a necessidade” [4: 103-105].
Empenhado em justificar a atuação dos membros da Companhia
de Jesus, Leonhardt destaca, por um lado, o lamentável estado
sanitário que “reinava nos países rioplatenses” e as péssimas con-
dições sanitárias das cidades fundadas pelos espanhóis, e, por ou-
tro, o importante papel desempenhado pelas boticas mantidas
pelos jesuítas, que contavam com “boa administração” e com a
“prática de experimentados irmãos boticários.” Ressalta, ainda,
que a venda de “remédios excedentes”, “não era feita para aufe-
rir lucros (…) e que o pagamento se dá também por gratidão”,
já que as boticas eram procuradas por quem “tem confiança em
nossa religiosidade, experiência e desinteresse” [4: 106-107]. Ele
não descuida, também, de ressaltar a formação dos médicos e
boticários jesuítas, que “eram homens bem preparados para seu
ofício e geralmente reconhecidos por seus contemporâneos e
também pelos historiadores modernos” [4: 112].
Em relação a este ponto, Leonhardt ressalta que mesmo os desa-
fetos da Companhia de Jesus não deixaram de reconhecer “o pre-
paro teórico e a atividade prática dos jesuítas nesta matéria (…)
mesmo não conseguindo identificar qual o verdadeiro segredo
de seu sucesso neste ramo.” Isto, no entanto, não o impede de
tecer duras críticas a todos os autores que vincularam o exercício
destas atividades a “motivos egoístas, de ambição e avareza”, afir-
mando que não existiam evidências históricas para “semelhante
severo veredicto” e para “uma intenção tão indigna de religiosos”,
que não apenas “praticaram a caridade cristã, [como] perderam
sua vida servindo e atendendo os doentes” [4: 117-118]. Para o
historiador jesuíta, as situações vividas e registradas por padres e
irmãos que atuaram como médicos, enfermeiros e boticários se
assemelham a “casos de heroísmo, bastante frequentes entre os
primeiros jesuítas do Paraguai”, que puseram em prática a “pará-
bola evangélica do bom samaritano” [4: 118].
Também o padre jesuíta Guillermo Furlong debruçou-se sobre
a temática, como pode-se constatar na sua vastíssima produção,
com destaque para
Los jesuítas y la cultura rioplatense
, de 1933,
Mé-
dicos Argentinos durante la dominación hispanica
, de 1947, e
História
social y cultural del Rio de la Plata
(1563-1810), de 1969. Furlong
nasceu em 21 de junho de 1889, na província de Santa Fé (Ar-
gentina), e faleceu em 20 de maio de 1974, aos 86 anos de idade.
Sua formação como jesuíta se deu em Córdoba, (Argentina) e,
depois, emAragão (Espanha), doutorando-se emCiências e Filo-
sofia na Universidade jesuítica de Georgetown, emWashington
D.C., no ano de 1913.
Em 1920, regressou a Espanha, para cursar – durante quatro
anos –Teologia, em Barcelona.Neste período, realizou pesquisas
no
Archivo de Índias
, em Sevilha, e em outros arquivos espanhóis.
Em 1924, regressou à Argentina, assumindo a função de profes-
sor de história argentina, apologética e instrução cívica no
Colégio
del Salvador
. Em 1939, passou a integrar aAcademia Nacional de
História, em 1942, foi um dos fundadores da Junta de História
EclesiásticaArgentina e, em 1956, esteve à frente da fundação da
Academia Nacional de Geografia.
1 - Para mais informações sobre o projeto de instalação desta colónia agrícola,
recomenda-se ver Manfroi NMS (2013).
2 - O trabalho em questão foi produzido durante o período em que Arata atuou
junto à Oficina de Patentes de Invención, no Consejo de Higiene e na Oficina Quí-
mica Municipal, que dirigiu de 1883 a 1911, o que parece explicar o pragmatismo
científico tão evidente em suas posições.
3 - As discussões quanto à autoria do manuscrito Matéria Medica Misionera tive-
ram início nas primeiras décadas do século XIX e dela participaram Pedro Arata,
Domingo Parodi, Manuel RicardoTrelles e Guillermo Furlong, que, após compara-
rem os manuscritos existentes, optaram por atribuí-la ao irmão Pedro Montenegro,
uma vez que seu nome constava nas versões mais completas que foram localizadas.