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Uma breve introdução

O naturalista e botânico suíço Moisés Santiago Bertoni nasceu

a 15 de junho de 1857 e faleceu em 19 de setembro de 1929.

Em 1883, ainda na Suíça, lançou a

Rivista Scientifica Svizzeta

, que

tratava de temas relacionados às ciências naturais, antropologia,

sociologia, geografia, estatística e agricultura. Estudou ciências

jurídicas, físicas e naturais nas Universidades de Genebra e Zuri-

que, tendo integrado aquela plêiade de cientistas que, no século

passado, vieram para a América, fascinados pela novidade, pelo

exotismo e pela possibilidade de realizar investigações nos ex-

tensos territórios virgens do continente.

Mas, diferentemente de Charles Darwin ou de Alexander

Humboldt, o jovem suíço não veio à América na condição de

explorador ou investigador a serviço de uma sociedade cientí-

fica europeia. Bertoni pretendia instalar uma colónia agrícola

no Novo Mundo [1]

1

, o que se deu, primeiramente, na pro-

víncia de

Misiones

, Argentina (de 1884 a 1887), e, depois, no

Paraguai (de 1887 a 1929), onde, em 1894, fundou a colónia

Puerto

Bertoni

. Ao longo das quase quatro décadas que viveu

nestas regiões, Bertoni não descuidou de manter contacto

com a produção dos maiores centros de pesquisa científica

do Brasil, Argentina, México, Guatemala e Equador, e com

os estudos publicados sobre Etnologia nos

Annaes da Biblioteca

Nacional

, na

Revista Brasileira

e na

Revista do Instituto Histórico e

Geográfico Brasileiro

.

Foi em

Puerto Bertoni

, numa região do Alto Paraná, localizada

a dez quilómetros da fronteira com Foz do Iguaçu, que ele se

dedicou às pesquisas sobre a fauna e a flora nativas e os indígenas

guaranis, bem como à escrita de seus livros – redigidos em seis

idiomas e divulgados através de sua editora, a

Ex-Sylvis

– e de

artigos científicos remetidos a várias revistas e bibliotecas cien-

tíficas da América e da Europa. Além da editora, ele montou,

também, uma biblioteca commais de dezessete mil obras, labo-

ratórios experimentais e uma agência de correio, através da qual

despachava seus trabalhos para muitos países.

Dentre os mais importantes estão os

Analles Científicos Para-

guayos

, os três tomos de

La Civilización Guaraní

e a obra – não

concluída –

Descripción física, econômica y social del Paraguay

,

que lhe garantiram convites para representar o Paraguai em

vários congressos científicos internacionais, inclusive, do XX

Congresso Internacional deAmericanistas, de 1922, no Rio de

Janeiro. Nesta edição do ICA, proferiu a conferência

El futuro

de la raza americana en América Latina

, na qual criticou enfatica-

mente a crença de que as populações indígenas se encaminha-

vam para a sua extinção completa e procurou demonstrar que

a “esquecida e bela raça guarani” era uma raça cuja superiorida-

de biológica se refletia na moral, na alimentação e na medicina

que praticavam.

Neste artigo, me deterei, mais especificamente, no

Libro II

de

La Civilización Guaraní

, intitulado

La Medicina Guaraní

, que foi

dedicado aos “jovens médicos paraguaios”, com a expectativa de

“que alguns dentre eles encar[assem] estes estudos como uma

dupla missão, científica e patriótica” [2: 143].

A civilização Guarani

na perspetiva de médicos e naturalistas

(final do Oitocentos e primeira metade

do Novecentos)

Dentre os que se dedicaram ao estudo das práticas terapêuticas

adotadas pelos indígenas guaranis e à reflexão sobre o papel de-

sempenhado pela Companhia de Jesus para a constituição de uma

cultura científica na América platina, estão o médico argentino

Pedro Arata, o naturalista e botânico suíço Moisés Bertoni e os

padres jesuítas Carlos Leonhardt e Guillermo Furlong.

Os trabalhos de Arata, Bertoni, Leonhardt e Furlong foram es-

critos entre a última década do século XIX e o final da primeira

metade do século XX, e inserem-se no ainda muito atual debate

historiográfico acerca do reacionarismo desta ordem religiosa

– dada a vinculação à tradição medieval católica e barroca – e

nas reflexões sobre a efetiva contribuição dos indígenas, especial-

mente, dos seus saberes sobre a farmacopéia americana, para o

conhecimento médico, farmacêutico e botânico que os missio-

nários jesuítas fizeram circular nos continentes em que atuaram,

nos séculos XVII e XVIII.

O farmacêutico, médico e professor universitário Pedro Narciso

Arata nasceu em 29 de outubro de 1849, em Buenos Aires, e

faleceu na mesma cidade em 5 de novembro de 1922. Graduou-

-se médico em1879, comuma tese sobre propriedades químicas

das plantas, tendo presidido por anos a Academia Nacional de

Medicina daArgentina. Em

Botánica Medica Americana

, de 1898,

2

Arata realiza um estudo comparativo entre quatro manuscritos

produzidos naAmérica, “apresentando aos leitores médicos uma

síntese de seu conteúdo e fazendo aomesmo tempo uma crítica”,

comprometendo-se a fazê-lo “com ideias modernas”, destacando

as “propriedades atribuídas às plantas de que tratam e agregando

os nomes científicos que lhes correspondem, além de observa-

ções referentes às mesmas” [3: 419].

Para Arata, as mais relevantes obras sobre botânica médica fo-

ram as produzidas pelo médico e botânico espanhol Francisco

Hernandez (1514-1587), pelo médico e naturalista holandês

Guilherme Piso (1611-1678) e pelo padre jesuíta Bernabé Cobo

(1582-1657), que teriam exercido grande influência sobre as

matérias médicas

redigidas por missionários jesuítas. Segundo ele,

nada mais equivocado do que pensar que estas

matérias médicas

fossem estudos originais ou produzidos por diferentes padres ou

irmãos jesuítas.

Referindo-se aos jesuítas como “senhores absolutos de milhares

de índios”, entre os quais atuavam como “médicos de almas e

de corpos e também como enfermeiros”,Arata questiona a au-

toria e a originalidade dos manuscritos produzidos por missio-

nários jesuítas naAmérica [3: 440]. Em relação à

Materia Medica

Misionera

, ele afirma que o irmão jesuíta Montenegro copiou

imagens da obra “

De inidiae utriusque Re naturali et medica

”, de

Guillermo Piso (Amsterdan, 1638), sem qualquer referência à

obra, limitando-se a adicionar imagens de alguns pássaros e an-

jos às originais. Quanto ao conteúdo da obra,Arata afirma que

ela consiste de modificações que o irmão jesuíta fez de um ma-

Medicina tropical e ambiente