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posteriormente confirmada, da transmissão de
Leishmania através da partilha de seringas e
agulhas contaminadas foi, pela primeira vez,
levantada em 1994, em consequência do
surpreendente aumento do número de casos em
doentes com sida, pertencentes ao grupo de risco
de uso de drogas de administração endovenosa
(Campino et al., 1994). Nestes doentes coinfetados,
foram encontradas algumas estirpes de Leishmania
pertencentes a: i) novas variantes enzimáticas e até
então desconhecidas; ii) zimodemos apenas
descritos em casos de leishmaniose cutânea; iii)
zimodemos de proveniência geográfica muito
distante. Também nestes doentes foram
encontrados parasitas em tecidos e órgãos
raramente ou nunca observados parasitados até à
data. No grupo de coinfetados, verificou-se, pela
primeira vez, um aumento muito acentuado da taxa
de falha terapêutica, com várias recidivas no
mesmo doente. Dos 1438 casos de coinfeção
relatados pelos países mediterrânicos à rede de
vigilância epidemiológica WHO/UNAIDS, até
junho de 1998, 1403 pertenciam a Espanha (816),
França (255), Itália (215) e Portugal (117); até
2003 foram reportados 1973 casos nos quatro
países. Com a introdução da terapêutica
antirretroviral de alta potência, o número de casos
de leishmaniose em infetados pelo VIH têm
diminuído na Europa, sobretudo nos países
ocidentais. Pelo contrário, a leishmaniose canina
parece estar em crescendo na Europa. EmPortugal,
o primeiro rastreio a nível nacional realizou-se em
2009, tendo-se obtido uma seroprevalência global
de 6,31%, com áreas onde
se atingiu 17,4% (Cortes et al., 2012). Outros
potenciais reservatórios têm sido alvo de estudo.
Recentemente tem sido investigado o papel dos
gatos na epidemiologia da leishmaniose através da
realização de rastreios de leishmaniose felina na
região de Lisboa. Foi detetado DNA de L. infantum
no sangue de 20,3% dos 138 animais analisados,
resultado que sugere a importância do gato como
reservatório doméstico/peridoméstico alternativo
ao canino (Maia et al., 2010).
Apesar da leishmaniose cutânea ser uma doença
pouco conhecida em Portugal, deverá deixar de ser
encarada como rara, estimando-se que sejam
diagnosticados anualmente cerca de dez novos
casos. Como se trata de lesões de cura espontânea,
na maior parte dos casos a doença não é
diagnosticada. A identificação dos agentes
responsáveis pelas formas cutâneas indica que é a
mesma espécie das formas viscerais (L. infantum),
sendo esta também a principal espécie causadora
das formas cutâneas na Europa. A leishmaniose é
considerada uma doença dos pobres de entre os
mais pobres. Ao contrário do que se passa na
Europa, em que a leishmaniose humana é
hipoendémica, nos países da África Oriental, Ásia
Central, subcontinente indiano, Médio Oriente,
Brasil e Perú observa-se elevada endemicidade
com formas viscerais (90% no Bangladesh, Brasil,
Etiópia, Índia, Nepal e Sudão) e formas cutâneas
(90% no Afeganistão, Arábia Saudita, Brasil, Irão,
Perú e Síria).
Recentemente foram identificadas, em Portugal,
várias estirpes híbridas de duas espécies
filogeneticamente divergentes, L. infantum e L.
major. Outros estudos de genética de populações
demonstraram que, apesar de anteriormente terem
sido considerados predominantemente clonais, as
populações de L. infantum da bacia mediterrânica
apresentam heterogeneidade genética, fluxo génico
e recombinação (Cortes et al., 2006; Kuhls et al.,
2008; Maurício et al
., 2006) (Figura 1).