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Estes exemplos e a nossa experiência apontam

para o papel essencial desempenhado pelo

laboratório no diagnóstico destas infeções,

indispensável para a sua terapia atempada e eficaz.

De referir que menos de um terço das MNT

isoladas no Laboratório de Micobacteriologia do

IHMT corresponde a

M. avium

, o que reforça a

importância do laboratório ser capaz de

providenciar uma identificação rápida e fidedigna,

essencial para implementação das medidas

terapêuticas mais adequadas. Este diagnóstico

atempado das MNT como agentes de infeção é

também essencial para evitar confusão com

estirpes de

M. tuberculosis

resistentes aos

antibacilares, em particular com estirpes

multirresistentes (M/XDR-TB), já que muitas

destas MNT são naturalmente resistentes aos

principais antibacilares de primeira linha utilizados

no tratamento da tuberculose.

Assim, embora

M. tuberculosis

continue a ser a

micobactéria com maior relevância a nível clínico,

nunca esquecida e prontamente valorizada, o

aumento da incidência das MNT como agentes de

infeção tem vindo a refletir-se nos laboratórios de

Micobacteriologia. Contudo, as

patologias

associadas a estas infeções são ainda

desconhecidas de um grande número de clínicos, e

negligenciadas pelas autoridades de saúde,

nomeadamente no que se refere às medidas de

prevenção da infeção, em particular no que

concerne ao tratamento das águas.

LEPTOSPIROSE:UMA ZOONOSE (RE)EMER-

GENTE, DO PASSADO AO PRESENTE, EM

PORTUGAL!

A leptospirose é uma doença infeciosa de caráter

zoonótico e grande impacte mundial, sendo

reconhecida como uma doença (re)emergente que

afeta anualmente, na forma mais severa, cerca de

um milhão de pessoas em todos os continentes

(WHO, 2009). A doença ocorre de forma endémica

ou epidémica, sendo causada por mais de 250

serovares de espiroquetas distribuídos por nove

espécies patogénicas do género

Leptospira.

Estas

bactérias têm, como reservatórios naturais,

micromamíferos silváticos, em particular, os

roedores, apesar de animais de produção pecuária,

como bovinos, suínos e equinos, e ainda alguns

animais domésticos (cães), poderem atuar também

na sua transmissão.

A infeção humana é acidental e ocorre, em regra,

depois de contacto direto ou indireto com urina de

animais em leptospirúria, ou através de água, solo

ou vegetação contaminados com leptospiras, pelo

que a doença atinge predominantemente pessoas

com profissões de risco: agricultores, trabalhadores

de saneamento básico, militares e veterinários. Em

muitos lugares do mundo, a leptospirose é, ainda,

uma doença associada à pobreza.

Porém, importa referir que o padrão

epidemiológico da leptospirose tem vindo a alterar-

se e se, até há poucos anos, se considerava como

doença ocupacional, recentemente são comuns os

relatos de casos de leptospirose, por vezes até com

desenlace fatal, decorrentes de atividades de lazer

realizadas em coleções de água doce (rios,

barragens, lagoas) ou, até, na prática de alguns

desportos, como o golfe. Esta mudança

epidemiológica é dinâmica e complexa e, talvez

por isso, no final do século XX, um reconhecido

leptospirólogo, Paul Levett (Levett, 1999), ousou

colocar a questão “Leptospirose, uma doença re-

emergente ou redescoberta?”

Em Portugal, o primeiro registo de leptospirose

remonta a 1931 (Figueira, 1931). Contudo, só nos

anos 40, Fraga de Azevedo, notável investigador

do IHMT, realizaria os primeiros inquéritos

serológicos no País, trabalho que se prolongou por

três décadas, tendo contribuído, na época, para o

conhecimento da epidemiologia e diagnóstico da

doença. Anos mais tarde, esse trabalho seria

retomado, na mesma instituição, pela investigadora

Margarida Collares-Pereira, que incrementou os

estudos de leptospirose humana e animal, em

particular, nos domínios da bioecologia dos

reservatórios e bacteriologia dos agentes.

Desde então, com base no trabalho desenvolvido

pela referida investigadora e colaboradores,

conhece-se mais sobre leptospirose no país

(continente e ilhas), nomeadamente, no que

respeita à distribuição geográfica, espécies de

reservatórios de

Leptospira

spp. (Collares-Pereira

et al

., 2000), identificação dos grupos profissionais

de maior risco de infeção e ocorrência de

leptospirose animal nas espécies pecuárias. Houve

ainda lugar ao isolamento inédito em bovinos do

serovar Hardjo (serogrupo Sejroe), responsável por

importantes perdas económicas e, na espécie

humana, por uma forma de leptospirose muito

debilitante, com tendência para cronicidade

(Collares-Pereira, 1991), e à obtenção, em 2009

(São Miguel/Açores), dos primeiros isolados

humanos de duas espécies patogénicas de

Leptospira

(Gonçalves

et al

., 2010).

Em Portugal, à exceção dos Açores, área

endémica, tem-se verificado que a doença está

relativamente circunscrita a infeções acidentais do

tipo esporádico ou epidémico. Contudo, a

verdadeira prevalência da leptospirose humana, a