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condições laboratoriais. Por esse motivo, quando

foram descritas novas espécies de micobactérias

que não apresentavam estas restrições culturais,

elas foram inicialmente classificadas como

atípicas, no sentido de não apresentarem algumas

das características mais marcantes das duas

espécies de micobactérias conhecidas até então.

Hoje em dia, o género

Mycobacterium

conta já

com mais de 150 espécies descritas, a maioria das

quais correspondendo a espécies ambientais com

elevada adaptabilidade a diferentes nichos

ecológicos e tempos de geração muito variáveis.

Por esta razão, considera-se que o termo atípicas

não será o mais correto, utilizando-se a designação

“micobactérias não tuberculosas” para designar

estas outras micobactérias, que não as do complexo

M. tuberculosis

.

O grupo das MNT começou a ganhar relevância

com a pandemia do VIH-SIDA, com algumas

destas micobacterias,

M. avium

em particular, a

destacar-se como principal agente de infeções

oportunistas causadoras de morte em doentes

coinfetados com VIH (Griffith

et al

., 2007; Tortoli,

2009). O papel de

M. avium

como principal causa

de doença disseminada em doentes VIH-SIDA

tornou-se particularmente importante em países

com baixa incidência de tuberculose, como é o caso

dos Estados Unidos. Embora a co-morbilidade

nestes doentes tivesse sido o principal motivo de

alarme em relação às micobacterioses por MNT,

em breve se foi percebendo o potencial de

M.

avium

e de outras espécies, como agentes

patogénicos oportunistas, mesmo em doentes

imunocompetentes, causando diferentes tipos de

infeções, que incluem a infeção pulmonar,

linfadenites, infeções na pele e nos tecidos moles,

nas articulações, no tecido ósseo e no SNC

(Griffith

et al.

, 2007; Tortoli, 2009). Hoje em dia,

ultrapassam já 30 as espécies de MNT

reconhecidas

como

agentes

patogénicos

oportunistas humanos (Griffith

et al.

, 2007).

Para isso, contribuemvários tipos de fatores. Por

um lado, o aumento do número de doentes sujeitos

a procedimentos invasivos, incluindo os cirúrgicos,

tratamentos de imunosupressão ou doentes cujo

sistema imunitário se apresenta, de um modo geral,

debilitado e, logo, mais suscetíveis à infeção

causada por estas micobactérias, na sua maioria

ubíquas no ambiente. Por outro lado, maior atenção

e capacidade, por parte dos laboratórios de

diagnóstico, na pesquisa e identificação destas

outras micobactérias, que vieram aumentar os

dados de que dispomos para compreender o real

impacte das mesmas como agentes de infeção. É de

referir ainda

M. ulcerans

, agente da úlcera de

Buruli, a terceira maior infeção causada por

micobactérias, a seguir à tuberculose e à lepra,

caraterizada por evolução lenta e progressiva, com

destruição significativa da pele e tecidos

adjacentes. Em 2004, esta micobactéria foi

declarada, pela OMS, como agente patogénico

emergente (WHO, 2004).

O primeiro levantamento sistemático do

isolamento de MNT no Laboratório do Grupo de

Micobactérias da Unidade de Microbiologia

Médica do IHMT foi realizado em 2009 e cobriu

um período de três anos (2005-2007) (Couto

et al.

,

2010). Durante esse período, foram isoladas 149

MNT, correspondendo a 12,6% de todas as

micobactérias isoladas no nosso laboratório (sendo

os restantes 87,4% correspondentes a isolamentos

do complexo

M. tuberculosis

). As 149 MNT

isoladas durante este período correspondiam a 18

espécies diferentes, das quais se destacam

M.

avium

(24,8%),

M. gordonae

(15,4%),

M.

fortuitum

,

M. intracellulare

,

M. kansasii

(9,4%

cada),

M. chelonae

(6,7%),

M. xenopi

(6%),

M.

peregrinum

(4,7%) e

M. abscessus

(4%). Embora

não se possa excluir o ambiente como origem de

parte destas MNT, o isolamento de mais de 10%

destas micobactérias de produtos estéreis,

nomeadamente sangue e liquor, reforça a sua

importância como agentes de infeção humana.

Aliás, a distinção entre infeção e contaminação

ambiental como origem das MTN isoladas de

amostras clínicas é umdos maiores desafios que se

apresenta ao clínico perante um resultado

laboratorial que indique a presença de MNT, razão

pela qual a

American Thoracic Society

e a

Infectious Diseases Society of America

emitiram

um conjunto de princípios orientadores para ajudar

o clínico nesta distinção (Griffith

et al.

, 2007).

Dados mais recentes do nosso laboratório,

respeitantes ao período compreendido entre 2009 e

2011, indicam o isolamento de 13% de MNT entre

todos os isolamentos de micobactérias efetuados,

mantendo-se a distribuição de espécies já

anteriormente encontrada, com exceção de

M.

gordonae

, que aumentou para 32%, tornando-se a

espécie mais isolada neste período e superando

M.

avium

que, neste período, corresponde apenas a

12% dos isolamentos. Este aumento reflete maior

capacidade laboratorial para isolar

M. gordonae

,

MNT comumente encontrada nas canalizações

urbanas de água, a qual pode ser causa de infeção,

sobretudo quando associada a tratamentos estéticos

e de utilização recreativa de águas, situações nas

quais indivíduos imunosuprimidos entram em

contacto com águas contaminadas.