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nível nacional, parece estar longe da realidade,
como demonstrado pelas estatísticas oficiais da
DGS e INE. Esta situação deve-se, por um lado, a
dificuldades no diagnóstico e, por outro, a
deficiências no sistema de notificação dos casos
ocorridos, pese embora o facto de ser uma doença
de declaração obrigatória desde 1950 para
L.
icterohaemorrhagiae
e, desde 1987, para todas as
leptospiras
patogénicas.
Um exemplo desta discrepância foi um estudo
realizado entre 1986 e 1995, pelas duas instituições
de referência para diagnóstico laboratorial da
leptospirose em Portugal - o INSA e o IHMT,
através da Unidade de Ensino e Investigação de
Leptospirose e Borreliose de Lyme (atual Grupo
com o mesmo nome, da Unidade de Ensino e
Investigação de Microbiologia Médica) -, que
mostrou uma prevalência média anual de 15,5%,
enquanto as estatísticas oficiais apontaram para
8,6%, no mesmo período (Vieira, 2006).
Um outro estudo retrospetivo (1986-2003)
evidenciou os Açores como área endémica de
leptospirose com uma incidência anual de 11,1
casos (Vieira
et al.
, 2006), o que equiparava o
arquipélago a outras regiões endémicas do globo.
A referida incidência foi, no período em apreço,
igualmente acompanhada de um crescente número
de óbitos, tornando esta espiroquetose zoonótica
um sério problema de saúde pública para a região.
Assim, na sequência desta realidade, iniciou-se,
precisamente em 2003, um projeto de investigação
“Epidemiologia e Controlo da Leptospirose na
Região Autónoma dos Açores (2003-2008)”,
financiado pelos EUA e Governo Regional dos
Açores (
USA Cooperative AgreementNo.58-4001-
3-F185
). Desta intervenção, importa registar
alguns dos principais resultados, desde logo, e,
mais importante:
i
) ausência de óbitos por
leptospirose até à presente data, a par de
decréscimo do número de casos confirmados
(Figura 1);
ii
) atual capacidade para realização de
diagnóstico laboratorial, envolvendo testes
serológicos de rastreio e de diagnóstico molecular
nos hospitais locais;
iii
) intervenção das
autoridades de saúde veterinária no controlo ativo
de roedores;
iv
) incremento da sensibilização da
população quanto ao risco de exposição às
leptospiras.
Fig.1
-
Representação gráfica da casuística (doentes observados
versu
s casos positivos), antes, durante e
após o desenvolvimento do projeto
“Epidemiologia e Controlo da Leptospirose nos Açores (2003 -2008)”
.
Na prática, os resultados obtidos permitiram,
entre outros aspetos, reconhecer a atualidade da
questão levantada por Levett, e considerar que, em
Portugal, a leptospirose é uma doença emergente e,
nos Açores, menos negligenciada.
Assim, conclui-se, pelo atrás exposto, que
muitas das infeções bacterianas causadoras de
doenças comummente consideradas como
negligenciadas, em Portugal, são-no muito por
esquecimento ou desconhecimento das autoridades
e dos atores em saúde no país, e não tanto por serem
verdadeiramente raras e singulares. Toma aqui
particular importância a crónica dificuldade em
notificar as doenças de declaração obrigatória e
como esta dificuldade cria uma espiral de
problemas que contribuem para que não se consiga
controlar, ou mesmo erradicar, estas doenças em
Portugal, com os custos humanos e financeiros
associados. É nossa esperança que, no bicentenário
do IHMT, estas infeções sejam já uma mera
memória do quotidiano nacional, fruto do trabalho
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