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sem sintomas, como é o caso de cerca de 70% dos
casos em mulheres (WHO, 2007).
Existe uma interação biológica entre as ISTs e o
VIH. A presença de uma IST não tratada aumenta
o risco, quer de transmissão, quer de aquisição do
VIH, e a associação IST/VIH pode resultar em
aparecimento de casos mais graves de ISTs (WHO,
2007).
O número de casos de ISTs tem aumentado em
todo o mundo. No que se refere ao nosso país, há
que ter em consideração que apenas são de
notificação obrigatória a gonorreia, a sífilis recente
e a sífilis congénita. Da observação dos casos
notificados à Direção-Geral de Saúde (DGS, 2008),
pode verificar-se que, em relação à sífilis recente,
aparentemente o número de casos tem-se mantido
estável, em cerca de 100 por ano. Relativamente à
infeção por
Neisseria gonorrhoeae
, observou-se
um aumento de casos desde 2004 (28) a 2008 (67).
Estes números de casos publicados pela DGS
podem ser assumidos como não preocupantes,
visto parecerem aparentemente baixos. Contudo,
no que se refere à sífilis congénita (média de 17
casos por ano entre 2004 e 2008), não se pode dizer
o mesmo. A existência de casos de sífilis congénita,
mesmo que em pequeno número, é sempre
preocupante porque indicia que a vigilância pré-
natal não está a ser plenamente efetuada.
No entanto, estudos realizados em Portugal por
diferentes
grupos
parecem
demonstrar
prevalências de ISTs diferentes das que se
concluem da análise das notificações da DGS. O
grupo de Doenças Sexualmente Transmissíveis da
Unidade de Microbiologia Médica do IHMT da
Universidade Nova de Lisboa tem efetuado vários
estudos de rastreio de ISTs. Num destes estudos,
em adolescentes grávidas (204), as frequências de
infeção por
Chlamydia trachomatis
e
N.
gonorrhoeae
encontradas foramde 11,8% (24/204)
e 4,9% (10/204), respetivamente. Saliente-se que
se observou prematuridade em 11,8% dos casos e
que 9,8% dos recém-nascidos nasceram combaixo
peso (Borges da Costa, 2009).
Noutro estudo em grávidas, analisadas às 36
semanas, encontrou-se uma prevalência de
clamidiose de 3,7% (Faria, 2010). Num trabalho
em curso, de rastreio voluntário para ISTs, num
grupo de mulheres em contexto de prostituição de
rua (124), encontrou-se, até ao presente, uma
frequência de 2,4% para gonorreia e de 4% para
clamidiose, tricomonose e sífilis, todos em
mulheres assintomáticas, exceto três casos de
tricomonose.
Na Europa, a sífilis continua presente,
atualmente com maior incidência nos homens que
têm sexo com homens (HSH) (Benneto
et al.
,
2012). Esta tendência parece também estar
presente em Portugal (Ferreira
et al.
, 2012). O
grupo de ISTs, em associação com a organização
CheckPoint
(Centro comunitário dirigido a HSH),
está a efetuar um rastreio voluntário de ISTs em
Lisboa. Nos 116 indivíduos já testados (em quatro
meses), foi efetuado diagnóstico de sífilis em 32, o
que equivale a uma prevalência de 27,5%.
A discrepância entre o número de casos de ISTs
dos estudos mencionados e os publicados pela
DGS evidencia ineficácia da notificação, pelo que
parece que as ISTs estão subnotificadas em
Portugal, o que as coloca no grupo das doenças
negligenciadas ou esquecidas no país. Tendo em
conta a natureza assintomática de muitas ISTs,
existem
certamente
muitos
casos
não
diagnosticados. Não existindo resposta adequada
dos serviços de saúde para as ISTs (uma vez que o
acesso aos cuidados de saúde em caso de suspeita
de IST é complicado), vigilância epidemiológica
consistente, formação adequada da maioria dos
profissionais de saúde no que se refere às ISTs e
informação dos cidadãos emgeral sobre este tema,
é importante e urgente que as ISTs passem a fazer
parte da agenda prioritária das instituições
governamentais por elas responsáveis; no caso
contrário, corre-se o risco de se ver aumentar o
número de casos destas infeções e do VIH, com
consequente morbilidade e mortalidade a elas
associadas.
INFEÇÕES CAUSADAS POR MICOBA-
CTÉRIAS NÃO TUBERCULOSAS: AS MICO-
BACTERIOSES
DESCONHECIDAS
EM
PORTUGAL!
Se, em relação às infeções anteriores, o termo
“doença negligenciada em Portugal por
esquecimento” se adequa plenamente, o mesmo já
não será totalmente verdade no caso das
micobacterioses provocadas pelas bactérias não-
tuberculosas ou, na sua designação mais corrente,
micobactérias atípicas. Neste caso, é mais
apropriada a designação de “doença negligenciada
por desconhecimento”.
O termo "micobactérias atípicas" encerra em si
próprio a evolução da própria taxonomia do género
Mycobacterium
, para o qual, durante muito tempo,
só se conheceram e só se valorizaram clinicamente
duas espécies:
Mycobacterium tuberculosis
e
Mycobacterium leprae
, agentes da tuberculoseeda
lepra, respetivamente. Sendo agentes patogénicos
estritos, estas duas espécies são muito restritivas
nas condições necessárias à sua multiplicação em