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LEISHMANIOSE: DOENÇA NEGLIGENCIADA DA POBREZA E EMERGENTE NO

MARE

NOSTRUM

– OITO DÉCADAS DE CONTRIBUTO DO IHMT

LENEA MARIA DA GRAÇA CAMPINO (LENEA CAMPINO) *

/

**

CARLA ALEXANDRA SOARES MAIA (CARLA MAIA) *

/

***

SOFIA JÚDICE DA COSTA CORTES (SOFIA CORTES) *

/

***

ISABEL LARGUINHO MAURÍCIO (ISABEL L. MAURÍCIO) *

/

****

* Unidade de Ensino e Investigação de Parasitologia Médica, Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT),

Universidade Nova de Lisboa. Rua da Junqueira, 100, 1349-008 Lisboa, Portugal. Tel.: 213652600.

E-mail

:

campino@ihmt.unl.pt

(L. Campino).

** Departamento Ciências Biomédicas e Medicina, Universidade do Algarve. Estrada da Penha, 8005-139 Faro, Portugal.

*** Centro de Malária e Outras Doenças Tropicais (CMDT) / IHMT.

**** Unidade de Parasitologia e Microbiologia Médicas (UPMM) / IHMT.

A leishmaniose é uma infeção causada por

protozoários

intracelulares

da

família

Trypanosomatidae e do género Leishmania,

transmitidos aos hospedeiros vertebrados por

vetores flebotomíneos. Esta parasitose é endémica

em 98 países, em todos os continentes, com

exceção da Antártida, estimando-se que 350

milhões de pessoas estejam em risco de contrair a

infeção. A prevalência mundial é de 12 milhões,

com milhão e meio a dois milhões de novos casos

por ano: 500 mil de leishmaniose visceral (LV) e

de um a um milhão e meio de leishmanioses

cutâneas. Portugal foi um dos primeiros países

europeus onde se identificou a doença. No nosso

país, a leishmaniose, causada por Leishmania

infantum, é considerada uma zoonose, tendo o cão

como o principal reservatório da infeção humana,

na forma clínica visceral ou kala-azar do tipo

mediterrânico (Campino e Maia, 2012). O primeiro

caso de leishmaniose foi descrito na Tunísia, em

1909, e o primeiro caso em Portugal foi reportado

por Dionysio Alvares, em 1910, numa criança do

sexo feminino, de 9 anos de idade, residente em

Lisboa. No ano seguinte, D. Alvares e E. Silva

realizaram o primeiro rastreio em 300 cães da

região de Lisboa, tendo detetado parasitas em oito

animais. A partir desta data, sucederam-se

inúmeras descrições de casos de leishmaniose

humana e canina em Portugal. O contributo

iniciado no IHMT, na década de 40, por M. Meira,

T. Ferreira e J. Fraga de Azevedo, sobre os vetores

e diagnóstico da leishmaniose, foi de grande

relevância para conhecimento desta patologia. Na

década de 50, observou-se um acentuado aumento

da incidência da LV em várias regiões do país,

principalmente em Trás-os–Montes e Alto-Douro,

tendo passado a ser de declaração obrigatória. A

partir da década de setenta, outros investigadores

do IHMT dedicaram-se, com caráter sistemático, a

estudos emvárias regiões de Portugal. Carlos Pires

iniciou a sua investigação sobre flebótomos de

Portugal em 1978 e, no ano seguinte, Pedro

Abranches e a sua equipa iniciaram estudos na

população humana e nos reservatórios doméstico e

silvático das leishmanioses, nomeadamente na

região de Alcácer do Sal, região metropolitana de

Lisboa e Trás-os-Montes e Alto-Douro. Dos seus

trabalhos, resultou o reconhecimento das regiões

de Lisboa e Trás-os-Montes e Alto-Douro como

endémicas e a identificação de Phlebotomus

perniciosus e P. ariasi como as espécies

flebotomínicas vetoras de L. infantum em Portugal

(Pires, 2000). Ainda durante a década de 80, no

Algarve, foram diagnosticados 43 casos pediátricos

de LV. Posteriormente, foram realizados inquéritos

epidemiológicos de leishmaniose canina nesta

região, tendo-se encontrado uma prevalência de

7% no concelho de Loulé, principal região de

proveniência dos casos humanos então

diagnosticados (Abranches et al., 1993). Em

Portugal, a leishmaniose visceral foi considerada

como predominantemente infantil, visto que, na

maioria dos casos, atingiu crianças com menos de

4 anos de idade. A partir de meados da década de

90, o número de casos pediátricos foi diminuindo

nos países europeus incluindo Portugal onde se tem

mantido estável. Contudo, esta diminuição foi

acompanhada de aumento significativo de casos

em adultos, a maioria associada a indivíduos com

imunossupressão, principalmente causada por

infeção com o VIH, mas também em casos de

tratamento com imunossupressores, o que

provocou a reemergência da leishmaniose em

Portugal, assim como na Europa. A hipótese,