55
MALÁRIA – DEFICIÊNCIA EM GLUCOSE-6-FOSFATO-DESIDROSGENASE E A
TERAPÊUTICA COM PRIMAQUINA
ANA PAULA AREZ (A.P. AREZ)
FÁTIMA NOGUEIRA (F. NOGUEIRA)
Unidade de Ensino e Investigação de Parasitologia Médica, Instituto de Higiene e Medicina Tropical
(IHMT), Universidade Nova de Lisboa. Rua da Junqueira, 100, 1349-008 Lisboa, Portugal. Tel.:
213652657.
:
aparez@ihmt.unl.pt(A.P. Arez).
Centro de Malária e Outras Doenças Tropicais (CMDT) / IHMT.
Apesar do progresso no controlo da malária, esta
ainda é umdos maiores problemas de saúde pública
no mundo, afetando 106 países, com cerca de 216
milhões de casos e 650 000 mortes por ano (WHO,
2011).
A malária é causada por um protozoário parasita
do género
Plasmodium
e transmitida por um
mosquito vetor do género
Anopheles
. Cinco
espécies podem infetar o homem –
Plasmodium
falciparum, Plasmodium vivax, Plasmodium
malariae, Plasmodium ovale
e
Plasmodium
knowlesi
. No humano, o parasita começa por
infetar os hepatócitos (ciclo esquizogónico
exoeritrocitário) e, depois, os eritrócitos (ciclo
esquizogónico eritrocitário).
A erradicação da malária é um dos objetivos do
milénio. Na ausência de uma vacina, os esforços de
erradicação assentam na disponibilidade de
antimaláricos que atuem contra os vários estadios
do parasita no homem: (i) formas hepáticas das
cinco espécies; (ii) formas dormentes (hipnozoítos)
de
P. vivax
e
P. ovale
; (iii) formas eritrocitárias,
incluindo os gametócitos.
Os eritrócitos maturos, não tendo organelos
celulares, não podem fazer fosforilação oxidativa
ou síntese proteica mas, para manterem a
integridade da membrana celular e o estado
funcional da hemoglobina, dependem do
metabolismo ativo assegurado por duas vias
metabólicas: glicólise e via das pentose-fosfato.
A glucose-6-fosfato-desidrogenase (G6PD) é
uma enzima citosólica que, na via das pentose-
fosfato, é essencial para manutenção do nível de
NADPH; este mantém o nível de glutationa nas
células, protegendo-as contra os danos causados
pelo
stress
oxidativo. Nos eritrócitos, o NADPH é
utilizado para redução da glutationa, que restaura a
hemoglobina para a forma solúvel (essencial para
transporte de O
2
/CO
2
).
A deficiência em G6PD, também designada por
favismo, é uma enzimopatia comum, com mais de
400 milhões de casos reportados mundialmente. Os
sintomas dependem do grau da deficiência mas a
maioria dos indivíduos são assintomáticos,
apresentando sintomas em resposta a
stress
oxidativo desencadeado por elementos exógenos
[alimentos (ex.: favas), agentes patogénicos ou
fármacos (alguns antimaláricos)]. Uma crise
resulta em hemólise aguda e anemia hemolítica.
Em 1956, Alving e colegas (Alving
et al
., 1956)
Demonstraram, em indivíduos afro-americanos,
que o antimalárico primaquina (PQ) induzia
anemia hemolítica e que esses indivíduos exibiam
deficiência congénita em G6PD nos eritrócitos.
Esta deficiência enzimática encontra-se
fortemente associada à malária por dois fatos quase
antagónicos. Por um lado, as distribuições
geográficas coincidentes da malária e dos alelos
mutados associados à deficiência em G6PD
fizeram suspeitar que a malária tenha exercido uma
pressão evolutiva sobre o gene que codifica esta
enzima, dando origem à “hipótese malária/G6PD”,
parecendo haver evidências de que a sua atividade
deficiente possa conferir alguma proteção contra as
formas graves da malária. Por outro lado, a
administração de PQ causa anemia hemolítica em
indivíduos com deficiência congénita de G6PD
após indução primária de metemoglobinemia,
podendo mesmo ser mortal.
No âmbito de investigação em curso sobre
fatores
de
resistência/suscetibilidade
do
hospedeiro,
foram
realizados
estudos
populacionais sobre as frequências alélicas das
variantes da G6PD mais prevalentes em África (B,
A e A-) em Angola (Dias, 2012; Miranda
et al
.
2007) e em Cabo Verde, onde foi também
pesquisada a variante
Med
, comum na bacia
mediterrânica (Alves
et al.
, 2010). Estes estudos
revelaram frequências baixas destas variantes
[f(A−) = 0,08 em Angola e f(A−) = 0,008 e f(Med)
= 0,00 em Cabo Verde], notoriamente inferiores às
geralmente referidas para regiões africanas
endémicas para malária (0,15-0,4). Em Angola,
estas frequências poder-se-ão dever à origemBantu