60
INFEÇÕES
BACTERIANAS
NEGLIGENCIADAS,
ESQUECIDAS
OU
DESCONHECIDAS? A TRADIÇÃO EXÓTICA DO IHMT
RITA MARIA RODRIGUES TEIXEIRA DE CASTRO (R. CASTRO) *
JOÃO BORGES DA COSTA (J. COSTA) *
/
**
ISABEL MARIA DOS SANTOS LEITÃO COUTO (I. COUTO) ***
MARIA LUÍSA JORGE VIEIRA (M.L. VIEIRA) ****
MIGUEL VIVEIROS BETTENCOURT (M. VIVEIROS) ***
* Grupo de Infeções Sexualmente Transmissíveis, Unidade de Ensino e Investigação de Microbiologia
Médica, Instituto de Higiene e Medicina Tropical, Universidade Nova de Lisboa.
** Clínica Universitária de Dermatologia, Hospital de Santa Maria, Lisboa, Portugal.
*** Grupo de Micobactérias, Unidade de Ensino e Investigação de Microbiologia Médica, Instituto de
Higiene e Medicina Tropical, Universidade Nova de Lisboa. Rua da Junqueira, 100, 1349-008 Lisboa,
Portugal. Telefone: 213652600.
:
mviveiros@ihmt.unl.pt(M. Viveiros).
**** Grupo de Leptospirose e Borreliose de Lyme, Unidade de Ensino e Investigação de Microbiologia
Médica, Instituto de Higiene e Medicina Tropical, Universidade Nova de Lisboa.
INFEÇÕES BACTERIANAS
NEGLIGENCIADAS, ESQUECIDAS OU
DESCONHECIDAS?
Em janeiro de 2012, foi assinada a
London
Declaration on Neglected Tropical Diseases
(UCNTD, 2012), que procura unir os esforços dos
governos,
fundações
privadas,
indústria
farmacêutica e organizações não-governamentais
para apoio ao desenvolvimento, no sentido de
promover o combate a dez doenças negligenciadas
nos próximos 10 anos. Tal como as 10 doenças
negligenciadas constantes da declaração, onde
pontificam patologias extensivamente estudadas
nos 110 anos do IHMT, como a tripanossomíase
africana, a leishmaniose, as helmintíases ou a
filaríase, outras há que caem dentro do contexto
lato das doenças negligenciadas, algumas mais
recentes e emergentes, como as infeções
micobacterianas não tuberculosas ou a
leptospirose, ou outras mais antigas e re-
emergentes, como são as infeções bacterianas de
transmissão sexual. Assumindo esta extensão da
definição nosológica de doença negligenciada,
propomo-nos, neste trabalho, rever a já longa
experiência da Unidade de Microbiologia Médica
do IHMT na área de infeções bacterianas
atualmente esquecidas no contexto da saúde
humana em Portugal.
INFEÇÕES SEXUALMENTE
TRANSMISSÍVEIS: UMA PREOCUPAÇÃO
EM PORTUGAL?
As infeções sexualmente transmissíveis (ISTs)
são, prioritariamente, transmitidas por contacto
sexual, porém, microrganismos como o VIH e o
Treponema pallidum
podem também ser
transmitidos verticalmente ou por via sanguínea.
De acordo com estimativas da OMS, ocorrem
anualmente, em todo o mundo, 448 milhões de
novos casos de ISTs curáveis (sífilis, gonorreia,
clamidiose, tricomonose), não se incluindo, neste
número, o VIH (WHO, 2007). As ISTs, quando não
diagnosticadas e tratadas corretamente e
precocemente, podem ter consequências graves,
como nos casos da infeção gonocócica
disseminada, da neurossífilis, ou da doença
inflamatória pélvica. Esta pode resultar em
infertilidade (30-40% das mulheres) ou gravidez
ectópica (40-50% dos casos). Na mulher grávida,
as complicações de uma IST não tratada podem
afetar
o
recém-nascido,
ocasionando
prematuridade, malformações congénitas, aborto
ou morte fetal. Na grávida, a sífilis recente pode
originar aborto em cerca de 25% de casos, ou morte
neonatal em cerca de 14%; na infeção gonocócica
não tratada, o aborto pode desencadear-se em cerca
de 35% das situações e a morte perinatal em 10%
(WHO, 2007). Já no recém-nascido, a sífilis, a
clamidiose ou a gonorreia podem originar sífilis
congénita, pneumonia ou recém-nascidos de baixo
peso, respetivamente. Por outro lado, ISTs como
clamidiose e infeção gonocócica podem evoluir