S45
Suplemento dos Anais do IHMT
dialogar para você poder construir, né? O profissional chega nos lares,
naquele território, com o conhecimento científico, mas quem tem o co-
nhecimento daquela vivência,quem sabe dos problemas,como é que existe
uma dinâmica no território,é o morador,sem dúvida é o morador.Então
eles entram com esse respeito”(
Professora 2
)
Essa narrativa aponta o quanto a aproximação serviço-pesquisa-
-ensino em saúde requer uma maior aproximação e reconheci-
mento dos lugares assumidos entre usuários de saúde, profissio-
nais, pesquisadores e docentes. Isso porque a produção do saber
científico mais vinculada às necessidades reais e à produção de
respostas, pelos e para os sujeitos sociais, exige um deslocamen-
to de visão, de posição, de sentido. Sem essa aproximação, sem
a noção das “
barreiras simbólicas
” existentes, sem a vivência do
“
choque de significação de processos
”, como diz um dos docentes,
dificilmente será enfrentada a lacuna entre a produção e a utili-
zação da evidência científica, o que nos leva a questionar como
o conhecimento científico pode ser a base para políticas e inter-
venções no setor saúde.
Diferente dos docentes do
lato
, a participação dos docentes no
quadro dos programas do
stricto sensu
é definida pelos padrões
de pontuação da Capes, colocando assim limites institucionais
no quadro de docentes para
orientação.Ascontrovérsias identi-
ficadas na rede sociotécnica do ensino na ENSP, as tensões entre
o
lato
e o
stricto sensu
, o processo de indução por maior produção
académica vinculada à lógica de produtivismo, a desarticulação
entre ensino-pesquisa e serviço, dentre outros, apontaram insta-
bilidades que suscitaram a reconfiguração desta rede.
Para um dos docentes, uma forma de criar aproximações numa
perspetiva teórico-metodológica é a de pensar o território
explorando-o como contexto. No processo de orientação do
stricto sensu
tem trabalhado com proposta metodológica sobre o
contexto com base numa vertente construtivista.A conceção é
a de que “
o contexto imprime, tanto limites como possibilidades para o
desenvolvimento da política [...] e a natureza das instituições no contex-
to vai explicar muito daqueles seus resultados,você não pode purificar os
resultados desse contexto
” (Professora 3).
Conforme as perceções dos atores envolvidos no processo, a
criação e reformulação do ensino e da pesquisa para que esti-
vessem mais próximos do território eram reconhecidas como
demandas tanto da parte dos pesquisadores, dos profissionais
dos serviços e também da população. Uma confluência de in-
teresses e interações possibilitou o surgimento do facto consi-
derado mais notável para a ENSP nesse contexto: a criação do
ProgramaTeias Escola-Manguinhos em 2009.
No contexto do ProgramaTEIAS-Escola Manguinhos, algumas
iniciativas de ensino e de gestão foram implantadas e compreen-
didas como inovadoras no campo da saúde, a serem transpor-
tadas para realidades diversas do país, que se traduzem na con-
solidação de uma rede articulada de interesses e interações que
produziram consequências diretas ao SUS.
“[...] Então isso é estudo, se dialoga com a literatura, com a sociedade.
A gente olhou aqui que tinha população de rua que não era coberta
pela Saúde da Família, criamos uma equipa consultório na rua, que
é uma inovação na gestão que não existia ainda. Fomos a São Paulo,
fomos a Brasília, o Ministério ainda não tinha lançado consultório na
rua. Quando ele lança, adequamos o consultório na rua, fizemos, e hoje
consultório na rua tá ai ...”(
Professora 4
)
Os achados apontam que não é apenas uma questão de escolha
pelo
lato sensu
porque essa atuação tem a ver com a formação,
a trajetória profissional dos docentes/pesquisadores, o tipo de
vinculação com as demandas institucionais e mesmo com o
compromisso de formar profissionais para a rede de serviços de
saúde. Esses que são elementos que se integram a outros dispo-
sitivos que ajudam a compreender essa divisão tão presente nas
narrativas.
O perfil dos orientadores, no que diz respeito à sua trajetória
académica, linhas de pesquisa e interesses de pesquisa, indica se
há maior aproximação com as temáticas que envolvemo territó-
rio estudado e os trabalhos produzidos.Quando os orientadores
não possuem tal aproximação, os trabalhos dos alunos refletem
uma preocupação de orientação do curso de pós-graduação em
questão, em especial os de modalidade
lato sensu
e o mestrado
profissional que são voltados ao aperfeiçoamento das equipas e
da atenção à saúde.
Um outro aspeto apontado foi a falta de interação, tanto entre
os alunos de ambas as modalidades no processo de formação,
quanto dos grupos de pesquisa que estudam temáticas seme-
lhantes, e o quanto uma aproximação para pensar, atuar, escre-
ver e publicar, poderia promover trocas interessantes e uma for-
mação/produção mais diversificada.Ainda “
há pouca interlocução
e diálogo entre grupos – ninguém quer se
´desapegar´” (Professora
3).Assim se evidencia o paradoxo da autonomia de trabalhar no
que se quer e se gosta e falta de articulação entre pares.
“A gente trabalha com quem a gente gosta e... no que a gente quer...
isso, é tem que preservar, mas ela tem que ser uma autonomia relativa?
Ela em que é,é,assim...não é muito interessante assim,que duas pessoas
que estão trabalhando com a mesma coisa,elas nem se falam e nem...Os
dados...Cada um faz um relatório e ninguém sabe?”
(Professora 3
)
De forma a estabelecer a configuração da rede sociotécnica
do ensino na ENSP relacionada ao Território de Manguinhos,
percebe-se que as interações e interesses se dão na mobiliza-
ção de saberes e práticas produzidos no âmbito da formação de
pós-graduação da Escola. As produções que sustentam a teia
da rede, seja na produção dos discentes como dos docentes/
pesquisadores/orientadores apontam potencialidades e nós que
propiciam ações na produção de serviços, projetos de pesquisa,
trabalhos de conclusão, dissertações e teses, ainda que meio a
consensos e conflitos. A visão dos atores envolvidos no emara-
nhado da rede ressalta as diferenças, controvérsias, interesses,
negociações, multiplicidades no enredamento que se faz na
construção de saberes e demandas entre a Escola e o território
de Manguinhos.
Após a reconfiguração da rede na sua relação com o território
uma das evidências foi a necessidade de identificar meios de
aproximação para o enfrentamento do distanciamento que se
construiu entre os modelos de ensino em saúde do
stricto
e
lato
sensu
interno e externo à ENSP e destes com a pesquisa
.
O dis-
tanciamento observado entre os modelos de ensino em saúde