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Translação do conhecimento
na investigação participativa em Saúde
Um desafio da investigação em saúde pública tem sido pro-
mover a utilização do conhecimento científico produzido em
estratégias de ação e políticas de saúde mais eficazes, adequa-
das e que, consequentemente, se traduzam em efetivos gan-
hos em saúde. O conceito de “translação do conhecimento”
consiste na síntese, intercâmbio e aplicação do conhecimento
por
stakeholders
relevantes a fim de acelerar os benefícios de
inovações globais e locais no fortalecimento dos sistemas de
saúde e na melhoria da saúde das pessoas [1]. A translação do
conhecimento assume cada vez mais uma importância críti-
ca para a investigação em saúde, já que é reconhecido que a
criação de novos conhecimentos muitas vezes, por si só, não
leva à sua aplicação ou a impactos efetivos sobre a saúde das
populações [2]. Na verdade existem vários aspetos críticos na
tradução de resultados da investigação em boas práticas [3].
Estes incluem, entre outros, a discrepância entre as necessi-
dades de conhecimento identificadas pelas comunidades e o
trabalho desenvolvido pelos investigadores durante o processo
de “investigação” e o hiato entre o conhecimento produzido e
a sua incorporação em boas práticas e políticas em saúde [3].
Assiste-se assim ao crescente interesse na investigação sobre os
mecanismos subjacentes à translação do conhecimento, pro-
curando potenciar e maximizar os resultados deste processo.
O envolvimento ativo dos vários sectores da sociedade tem
sido determinante para garantir a produção de um conheci-
mento útil e que vá ao encontro das necessidades reais, bem
como a sua aplicação na solução de problemas, em especial
no contexto das populações vulneráveis. Deste modo, a ado-
ção de abordagens participativas e intersectoriais encerra
em si um potencial de promoção da participação comunitá-
ria e do
empowerment
individual e comunitário, e de redução
das disparidades em saúde [4,5].
No contexto da investigação participativa, a translação do
conhecimento é uma prática inovadora e multifacetada que
permite trocas multidireccionais de conhecimentos, com-
petências e recursos, e co-produção de conhecimento entre
académicos, representantes das comunidades, profissionais e
decisores políticos [6]. Adicionalmente, a translação do co-
nhecimento permite o desenvolvimento de conhecimento e
compreensão compartilhados entre universos inicialmente
estranhos entre si mas que, por sua vez, se vão reconfiguran-
do gradualmente através das suas interações [7]. O carácter
de inovação desta abordagem reside no estabelecimento de
conexões ou alianças que se formam a partir dos interesses e
capacidades dos atores individuais. Durante a formação des-
sas conexões, as relações entre atores vão sendo definidas e
negociadas e, por isso, a rede e as suas ligações são dinâmi-
cas, fluidas e inconstantes [8].
Progressivamente tem-se assistido ao crescimento do inte-
resse na translação do conhecimento, sendo consensual a
necessidade de mais evidência sobre o seu processo de im-
plementação e como diferentes estratégias influenciam os
resultados obtidos e o seu impacto [9,10].Tal conhecimento
permitirá reforçar o quadro teórico e a compreensão da uti-
lidade, potencialidades e limitações do processo de transla-
ção do conhecimento nos diferentes projetos, contextos e
populações. É ainda importante um maior conhecimento do
impacto do processo de translação do conhecimento no
em-
powerment
e capacitação dos diferentes intervenientes e na
promoção do seu papel enquanto agentes de mudança, maxi-
mizando de forma mais global os resultados em saúde.
O objetivo deste artigo é refletir sobre como potenciar a
produção e translação de conhecimento na investigação par-
ticipativa, tendo como base a experiência de um projeto na
área doVIH/Sida.
PREVIH:
Um projeto de investigação e intervenção
com abordagem participativa
O projeto
PREVIH:VIH/sida nos grupos de Homens que têm Sexo com
Homens (HSH) eTrabalhadores do Sexo (TS): Prevalência,Determinan-
tes, Intervenções e Acesso aos Serviços de Saúde
teve como objetivo
contribuir para promover a saúde sexual, reduzir a transmissão
da infeção peloVIH e melhorar o acesso aos cuidados de saúde
dos HSH eTS em Portugal, bem como promover o
empowerment
das comunidades e capacitá-las para o
advocacy
em promoção da
saúde. Este projeto propôs-se a produzir evidência científica que
sustentasse o desenvolvimento de intervenções para atender às
necessidades identificadas, bem como a promover a capacitação
dos vários intervenientes na promoção da saúde sexual.
O PREVIH surgiu de uma estreita colaboração entre uma
instituição académica, IHMT, e o GAT, uma organização não
governamental de base comunitária que trabalha na área do
VIH/Sida, que desde logo trabalharam em parceria no planea-
mento e submissão do projeto para financiamento. O projeto
adotou uma abordagem multissectorial e participativa envol-
vendo parceiros de diferentes sectores da sociedade e atores
interessados e afetados pela problemática do VIH para gerar
conhecimento e implementar iniciativas que poderiam aten-
der às necessidades identificadas. O projeto teve a duração de
4 anos (2009-2013) e decorreu em várias zonas do país.
O PREVIH integrou duas principais componentes de atuação:
a primeira componente, mais ligada à investigação, consistiu
num diagnóstico e análise de necessidades para avaliar as ques-
tões de saúde e identificar os fatores e processos que influen-
ciam a saúde sexual e a vulnerabilidade das populações estu-
dadas. Para tal desenvolveu-se uma pesquisa formativa para
analisar necessidades, viabilidade e aceitação das atividades de
investigação e intervenção. Posteriormente desenvolveram-se
estudos com cada uma das populações (HSH eTS) em que se
pretendia caracterizar conhecimentos, atitudes e práticas rela-
cionadas com oVIH, obter informação sobre a infeção nestas
populações, conhecer os fatores comportamentais e sociais as-
Gestão, meta-avaliação e redes de conhecimento