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Plano Estratégico de Cooperação em Saúde na CPLP
de mecanismos organizacionais e que funcionam bem para
apoiar o fornecimento dos serviços (Potter e Brough, 2004;
Mizrahi, 2004). No caso de implementação de uma mudança
tão grande como uma reforma dos CSP, também é necessário
um ambiente institucional e de políticas de apoio. Por exem-
plo, as regras que regem a divisão de trabalho entre as diversas
categorias profissionais envolvidas naAPS precisam ser ajusta-
das às necessidades deste tipo de serviços (Barringer e Jones,
2004). A capacidade não é, portanto, reduzida à formação e
recrutamento de mais pessoal, mas um complexo conjunto
de medidas que, em combinação, devem apoiar um processo
de mudança.
No seguimento vai-se explorar e debater os processos de re-
forma dos seguintes países da CPLP, Brasil, Portugal e Cabo
Verde. No final apresentar-se-á uma discussão e as conclusões
da comparação entre estes países.
2. A reforma da atenção
primária no Brasil
2.1. O contexto
Na América Latina, a partir de meados dos anos 1970, um
movimento do setor académico que procurou recuperar as
ideias de causalidade social do processo
saúde-doença, que haviam declinado
após o advento da era bacteriológica,
tem início no México e no Equador,
e posteriormente no Brasil. Neste, a
iniciativa intitulou-se “Movimento da
Reforma Sanitária”, e foi protagoni-
zado por Arouca, com suas críticas ao
“preventivismo”, e por Donnangelo,
com seus estudos sobre saúde e socie-
dade (1). Não se pode, ainda, esque-
cer o papel propulsor exercido pelos
postulados da Conferência de Alma-
-Ata, em 1978, com sua ambição de
“saúde para todos no ano 2000”, cujo
documento final salienta a interferên-
cia da desigualdade social nas políticas
de saúde, ressaltando o papel que a
lacuna entre os países desenvolvidos
e os países em desenvolvimento então
representava, exortando ainda todos
os países à cooperação, na busca pelo
objetivo comum da saúde, numa ação
entendida como direito e dever de to-
dos, individual e coletivamente (2).
A Constituição Federal Brasileira de
1988 reconheceu e deu força constitu-
cional a princípios e pensamentos de-
fendidos pelo “Movimento da Refor-
ma Sanitária”. Assim, valores sociais
como o direito de acesso universal e a integralidade da aten-
ção passaram a refletir a opção da sociedade por um sistema
de saúde típico de um Estado de bem-estar, em substituição a
um sistema excludente e desigual que existia antes de 1988.
A saúde ganhava, assim, o estatuto de direito constitucional
a ser garantido por um sistema público, de acesso universal,
intitulado Sistema Único de Saúde – SUS.
No Brasil, no campo da “Saúde Coletiva”, tem-se procurado
enfaticamente destacar que a superação de desigualdades em
saúde exige a formulação de políticas públicas equânimes, o
que implica, por um lado, em reconhecer a saúde como um
direito de cidadania e, por outro, em priorizar as necessida-
des como categoria essencial para a promoção de justiça. É
preciso, ainda, incorporar à pauta certas diferenças e diversi-
dades como as relacionadas à questão das condutas de risco e
das heterogeneidades de base étnico-culturais (3).
Por outro lado, mesmo decorridos mais de 25 anos, seria
ingenuidade supor que o SUS não apresentasse desigualda-
des na prestação. Estas, de uma forma ou outra, persistem
mesmo em países com sistemas universais bem mais antigos
e consolidados do que o brasileiro, embora em escala bem
mais reduzida do que em países onde prevaleça o mercado na
saúde. Com o SUS, que institucionalizou o acesso universal
e igualitário aos serviços de saúde,
a exclusão formal desapareceu, mas
não a iniquidade. Esta subsiste, seja
em decorrência de fatores como a
desinformação, que está associada
aos diferenciais de escolaridade, seja
por deformação em determinadas
políticas públicas. Em algumas delas
ainda estão presentes os privilégios
e a discriminação (4).
A existência de financiamento sufi-
ciente, capaz de garantir acesso uni-
versal e integralidade dos cuidados
de saúde à população é condição
fundamental para que tudo o mais
possa acontecer. Assim, se levar-
mos em conta o comportamento
do gasto em saúde na América La-
tina, não é difícil concluir que há
uma patente incapacidade de asse-
gurar coberturas universais, sendo
os recursos altamente dependentes
de regimes contributivos, ao que se
soma a vulnerabilidade dessa políti-
ca em face do comportamento pró-
-cíclico do gasto público, além dos
elevados valores deste último. No
Brasil, em particular, houve - e con-
tinua a existir - a concomitância de
alguns fatores que contribuem para
Brasil: uma agente comunitária de saúde em ação*
Brasil: unidade de saúde fluvial no Rio Amazonas*