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S96

Artigo Original

tes ligados ao partido eleito em 2005 e que ajudou a levar

a reforma da APS para a agenda política. Mais, um docu-

mento técnico elaborado por esta associação defendendo a

reforma tornou-se fundamentalmente parte do programa

de governo. A combinação de apoio governamental e de

associações profissionais "criou uma janela política” favorá-

vel para o lançamento da reforma. Tendo em conta que na

"janela política, as oportunidades para a ação permanecem

abertas apenas por curtos períodos" (Kingdon, 1995), era

preciso agir com celeridade.A “janela” era estreita, até por-

que nem todos os interessados eram favoráveis: conselhos

profissionais, faculdades de medicina, associações de médi-

cos especialistas não se opuseram à reforma, mas seu apoio

foi bastante calculista, porque não tinham participado na

sua conceção. O tempo necessário para colocar pessoas ou

recursos era grande, por questões regulamentares e ad-

ministrativas, o que atrasava o ritmo da reforma. Quando

tudo estava pronto, a crise financeira chegou a Portugal e o

apoio enfraqueceu ainda mais. Em suma, uma combinação

de fatores internos e externos mudou o ambiente de favo-

rável para menos favorável em uma questão de dois anos.

Novos estudos de viabilidade económica ou técnica fo-

ram conduzidos para explorar opções políticas alternati-

vas para lidar com as dificuldades da reforma. Na falta de

uma política de saúde da força de trabalho, a estratégia

para responder à escassez de médicos e enfermeiros em

áreas carentes, um grande obstáculo para o desenvolvi-

mento de serviços de APS, o Ministério da Saúde optou

por contratar profissionais de saúde a partir do estrangeiro,

nomeadamente de Cuba, Colômbia, Costa Rica e Uruguai.

No geral, houve uma desconexão entre as políticas e as ne-

cessidades dos gestores responsáveis para implementar a

reforma da APS. Não existe qualquer indicação do esforço

feito para identificar as necessidades. No âmbito de uma

reforma, uma nova cultura de gestão estratégica precisa

ser desenvolvida e sustentada, o que requer novos conhe-

cimentos, novas ferramentas, bem como um ambiente po-

lítico favorável, aberta à inovação, além de objetivos claros

(Hamel, 2006; Dickson, 2009; Mable, Marriot, Marriot-

-Mable, 2012). Os gestores que entrevistamos relataram

que esses pré-requisitos não foram cumpridos. Sendo estas

apenas perceções, deve se considerar como influenciaram

a motivação e o comportamento dos gestores, com reper-

cussões sobre os prestadores de serviços.

A principal mensagem que se pode reter é que o desen-

volvimento de uma reforma, mesmo quando é suportada

por um processo de fortalecimento da liderança e da ca-

pacidade de gestão dos profissionais da saúde requer um

esforço contínuo de conhecimento da realidade, do que vai

sendo necessário, de apoio organizacional, e de incentivos

e recursos adequados. Uma mensagem recorrente dos ges-

tores durante o processo de reforma era "se as autoridades

regionais nos derem recursos, nos termos da lei, nós pode-

mos fazer o nosso trabalho!" (Lapão & Dussault, 2011).

4. A reforma dos Cuidados

de Saúde Primários em CaboVerde

4.1 Contexto

Ao longo dos anos, sendo a saúde em Cabo Verde organi-

zada num sistema nacional de saúde, os governos de Cabo

Verde foram procurando desenvolver as infra-estruturas

sanitárias do sistema de saúde que melhor correspondes-

sem às necessidades de saúde das populações locais (La-

pão, 2012). É notório o esforço realizado nos últimos

anos (7-9% do PIB). Desde a criação recente das regiões

sanitárias à aposta na melhoria das instalações hospitala-

res (2 hospitais centrais e 3 regionais), a aposta nos cuida-

dos primários (cerca de 30 centros de saúde) e na saúde

pública, que inclui 34 postos sanitários em todas as ilhas,

centros de saúde reprodutiva, centro de saúde mental,

centro de terapia ocupacional e mais de 110 unidades sa-

nitárias de base, apenas com agente sanitário.

Cabo Verde segue os princípios de organização de servi-

ços de saúde procurando a universalidade do acesso, re-

correndo sempre que possível a tecnologia e a pessoal

qualificado (maioritariamente treinado fora do país) para

melhorar a qualidade da atenção, a todos os níveis dos

serviços de saúde (Cabo Verde, 2014; Lapão, 2012).

Neste contexto, os cuidados de saúde primários têm um

papel importante no acompanhamento da saúde das po-

pulações. A lei nacional determina que cabe a estes servi-

ços ser o ponto de entrada, identificando as necessidades

das populações a servir; encaminhá-lo para o diagnóstico

diferenciado e serviços dos níveis secundário ou terciário

se necessário; dar continuidade às intervenções; seguir

a evolução e avaliar repetidamente o conjunto de pro-

blemas de saúde. Mas até há cerca de 10 anos os hospi-

tais centrais tinham um papel importante, sobretudo na

componente aguda. É depois de 1996, e do projeto Saúde

Urbana para a Cidade da Praia que se começam a tomar

medidas de reorganização dos serviços, mas ainda com

uma grande centralidade hospitalar (Cabo Verde, 1999).

É preciso ter em conta que apenas em 1992 é integrada

na constituição a saúde para todos. Em 2000 atingiu-se o

valor de 70 anos de expectativa de vida. O rácio médi-

co/habitantes passou de 1/2675 em 1997 para 1/2.245

em 2006, e o rácio enfermeiro/ habitantes quase dupli-

cou entre 1997 (1/1807) e 2006 (1/1034) (Cabo Verde,

2007). Muitos parceiros contribuem para a dinâmica do

serviço de saúde, sobretudo a Organização Mundial de

Saúde e alguns países doadores.

Mas é em 1996 que se inicia a preocupação pelos Cuida-

dos Primários, ao mesmo tempo que há uma liberação do

sector. E sobretudo a partir de 2003, com o Decreto-Lei

25/2003 que se dá a grande aposta nos cuidados de saú-

de primários, com uma forte reorganização dos serviços,

apostando num maior acompanhamento de necessidades

específicas da população, das crianças aos mais idosos.

Opinião