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Artigo Original
to, expondo a história das últimas décadas e os desafios da
saúde em África.
A parte II, com o título “Os Maiores Desafios”, dá conta dos
problemas de maior envergadura que a África enfrenta para
o cumprimento dos Objectivos de Desenvolvimento do Mi-
lénio.
A parte III,“Todos os Recursos da Comunidade”,mostra como
os responsáveis da saúde mobilizaram a comunidade para en-
frentar problemas endémicos, incluindo aqui uma discussão
sobre o contexto social e político.
A parte IV, “Retirar o Melhor Partido de Todos os Talentos”,
aborda o tema dos recursos humanos, onde se explica como
se desenvolveu o potencial dos trabalhadores de saúde e dos
voluntários e se aborda a formação profissional.
A parte V, “Saúde para toda a População – Não Deixar Nin-
guém paraTrás”, concentra-se na cobertura universal dos cui-
dados de saúde, com reflexões sobre três diferentes países.
A parteVI, “o Futuro”, dá a palavra a jovens dirigentes e traça
uma visão do que poderá vir a ser a saúde em África.
Como disse, este é um livro escrito por Africanos, de 14 paí-
ses, sendo 13 homens e 10 mulheres, a maioria são médicos,
mas há também enfermeiros, fisioterapeutas, administrado-
res, sociólogos, juristas, políticos, com idades entre os 20 e
os 80 anos e, com exceção de dois, todos os outros vivem em
África.
Passado, presente e futuro estão neste livro e citando os coor-
denadores “as pessoas aqui representadas, ao invés de puros
decisores políticos, académicos ou comentadores, são gente
que tomou iniciativas e meteu as mãos na massa”.
Este é um livro muito bem escrito, que se lê todo, sem passa-
gens enfadonhas, muito bem editado, com testemunhos bem
escolhidos.
Sobre o livro gostaria de partilhar convosco algumas re-
flexões:
Em primeiro lugar é um livro autêntico, sério, sem pudores
políticos e sem retórica. Por exemplo, Luis Sambo diz que a
cobertura universal é uma estratégia que vai demorar muito
tempo a ser alcançada e até lá é necessário fazer escolhas para
identificar e proteger os mais vulneráveis, ou então os servi-
ços devem ser acessíveis a todos, mas nem todos os serviços
podem ser fornecidos. Uma tensão, portanto, entre universa-
lidade e generalidade. É um livro sério, também, quando fala
das desigualdades: no mundo, a Região Africana da OMS tem
cerca de 12% da população mundial mas suporta mais de 25%
da morbilidade, só conta com 1,4% dos médicos e 2,8% dos
enfermeiros existentes no mundo, gasta em saúde
per capita
89 dólares, contrastando com 2217 na região europeia e com
3373 na região das américas; mas também desigualdades den-
tro dos países: por exemplo na África do Sul 85% dos gastos
em saúde são realizados por 17% da população. É um livro
que nos interpela a cada página, como um jovem dirigente que
nos diz “os encargos com oVIH/sida penhoraram o futuro do
desenvolvimento dos sistemas de saúde por várias gerações”,
ou como o panorama epidemiológico que está a ocorrer em
vários países, com a transição de doenças transmissíveis para
doenças não transmissíveis, também conhecidas como doen-
ças dos ricos, como a hipertensão, a diabetes, as doenças car-
diovasculares, o cancro.
Mas, em segundo lugar, é um livro com uma perspetiva geral
optimista, com relatos de casos de sucesso que podem ser re-
plicados. A vantagem dos casos práticos é demonstrar como se
faz ou pode fazer e se foge do discurso dos resultados redondos.
Um exemplo: utilizar as cadeias de distribuição da Coca-Cola
para distribuir equipamento médico e medicamentos.
Em terceiro lugar, é um livro de emoções e de bom humor,
como o relato da médica e professora queniana MiriamWeré,
que foi presidente do conselho de luta contra a sida do Qué-
nia, e que, em 1974, propôs à sua Faculdade lançar dois pro-
gramas no país: um de vacinação infantil generalizada e outro
de construção e uso de latrinas. Um professor respondeu-lhe
“Quanto ao problema da vacinação, podemos fazer qualquer
coisa, mas quanto às latrinas, esqueça” e ela disse “muitos dos
casos tratados no hospital e noutras instituições estão relacio-
nados com e eliminação dos dejectos humanos”. A partir daí
passou a ser conhecida pela Professora das Latrinas. Aliás o
livro é também um manual para identificação dos factores de-
terminantes da saúde e dos factores de risco.
Em quarto lugar, é um excelente guião para a cooperação nor-
te sul e sul sul e os autores dizem que a cooperação pode ser
o melhor amigo da saúde em África, mas pode ser o pior ini-
migo do sistema de saúde ao fomentar a emigração de quadros
qualificados. E também nos dizem que a cooperação externa
deve apoiar claramente a aplicação de políticas locais, garan-
tindo que estas políticas não sejam do interesse da elite inte-
lectual, mas representem antes as necessidades e aspirações
das populações locais.
Muitas das actuais iniciativas bem intencionadas de reforço
das capacidades falham porque se importam práticas que fun-
cionam noutros contextos e transplantam-nas para estruturas
e beneficiários fracos e desconhecedores; estas práticas fun-
cionam durante curtos períodos de tempo. Ou outros riscos,
como nos diz Francis Omaswa: “os africanos pediram conse-
lhos e dinheiro às instituições e países e obtiveram ambos, mas
em troca de certos valores fundamentais: Os africanos per-
deram o amor-próprio, a autoconfiança e autonomia e estas
coisas têm de ser recuperadas”.
Nigel Crisp, em outro livro, de 2010, “Turning the World
Upside Down…” defende que os países ricos e os países po-
bres têm de aprender uns com os outros na saúde e que de-
veríamos falar em co-desenvolvimento, no qual o objectivo
da assistência técnica deveria ser o desenvolvimento da capa-
cidade do parceiro para que, a prazo, a assistência técnica se
torne desnecessária.
Comunicação e Cultura