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Plano Estratégico de Cooperação em Saúde na CPLP
Em quinto lugar, é um livro que dá um espaço importante aos
recursos humanos, porque certamente a maior carência em
África diz respeito à escassez de pessoal qualificado e identi-
ficam o problema da migração dos países pobres para os ri-
cos, mas também nos dizem que em matéria de delegação e
partilha de tarefas dos profissionais a África está na dianteira
mundial e não esquecem o papel central das enfermeiras e dos
terapeutas tradicionais.
Em sexto lugar, é um livro que nos fala das tecnologias de in-
formação e comunicação, como é o caso dos agentes de saúde
comunitária no Ruanda que têm um telemóvel para enviarem
os relatórios via SMS, bem como para chamar as ambulâncias,
pedir conselhos, ou para alertar as autoridades para possíveis
surtos de doença. Mas também para a formação dos profissio-
nais de saúde, para a marcação de consultas, para a transmissão
de resultados e averiguação de fármacos contrafeitos através
da leitura de códigos de barra.
Em sétimo lugar, é um livro que nos fala dos sistemas de fi-
nanciamento, das estratégias para diminuir os pagamentos
directos – o
out of pocket
representa mais de 40% da despesa
total em saúde em 45% dos países avaliados – e está na base
do avanço lento da cobertura universal, e dá-nos o exemplo
do Ruanda, que criou um sistema de seguro de saúde de base
comunitária, pagando os doentes 10% dos custos directos no
local de atendimento, assegurando o Governo o pagamento do
prémio e da comparticipação dos pobres. Diz a autora,Agnes
Binagwaho, ministra da saúde de um país que há 20 anos foi
destruído durante o genocídio dos tutsi, que foi a primeira vez
que a população pagou para ter acesso aos serviços de saúde
sem estar doente.
É um livro que apresenta conclusões práticas e sábias:
a. Desde logo “A Saúde Começa em Casa” e tem um bom
exemplo nesta frase de Francis Omaswa, enquanto director
geral dos serviços de saúde do Uganda, gravada no ano 2000
e reproduzida nas estações de rádio, várias vezes por dia, a
nível nacional, até 2005: “A saúde começa em casa, só sendo
necessário recorrer às unidades de saúde quando esta não re-
sultar. Mantenham uma boa higiene, alimentem-se bem e não
partilhem a casa com animais”.
b. Uma outra conclusão sobre sistemas de saúde, tem um es-
pecial enfoque nos recursos humanos e diz nos que sem en-
fermeiros não se pode falar sobre sistemas de saúde em África
e que a forma como a África subsariana rentabiliza os profis-
sionais de saúde é, em certos aspectos, a melhor do mundo
e dá-nos pistas sobre as acções necessárias para se conseguir
uma transferência de tarefas eficaz e sobre as que conduzem
ao fracasso.
c. Depois, é urgente que os governos, as organizações da
sociedade civil e as organizações internacionais promovam a
inclusão da cobertura universal dos cuidados de saúde como
um elemento importante da agenda internacional para o de-
senvolvimento.Muitos países africanos já definiram um pacote
de serviços mínimo, básico ou essencial, cuja prioridade é atri-
buída a partir do peso da doença a nível nacional. Em alguns
casos disponíveis para segmentos específicos da população em
primeira instância, depois alargado quer no seu âmbito quer
a outros segmentos da população. Mas a defesa da cobertura
universal tem de incluir a qualidade. Por vezes, os serviços
têm um nível de qualidade tão reduzido que só são procurados
pelos mais desesperados.
d. África detém as melhores hipóteses de melhorar os índices
de saúde com os recursos do país e das comunidades, se for
atribuída prioridade ao nível dos agregados e das comunida-
des.A administração local deve ser o ponto de partida para im-
por o cumprimento das regulamentações locais relativas à saú-
de, desde a água potável, a segurança alimentar, até ao registo
de nascimentos e de óbitos. Quando Francis Omaswa cresceu
no Uganda, na época colonial, o chefe local era o responsável
por estas questões. Hoje, o mesmo acontece com o governo
local, constituindo os cuidados básicos de saúde os principais
componentes das suas funções de administrador. Hoje existe
em toda a África um maior número de esquemas de saúde
comunitária e esta experiencia africana é seguida com atenção
na zona norte do mundo.
Sobre o futuro, o que nos dizem os autores:
Em primeiro lugar, os africanos têm de reconhecer que os
problemas e as soluções são da sua principal responsabilidade.
Trata-se de criar sociedades democráticas e governos que fun-
cionem melhor.
Em segundo lugar, África tem de manter níveis elevados de
crescimento económico. Para isso, são necessários governos
sólidos, responsabilização, liberdade de expressão e associa-
ção, capacidades humanas e institucionais, estradas, políticas
sociais de inclusão, legislação tributária justa.
Em terceiro lugar, África tem de recolher dividendos demo-
gráficos, investindo na juventude.A educação de qualidade é a
resposta necessária e o ponto de partida.
Em quarto lugar, África tem de aproveitar a oportunidade
proporcionada pelas tecnologias de informação e comunica-
ção para alargar rapidamente o âmbito dos serviços e o seu
acesso a indivíduos e comunidades.
Ainda sobre o futuro, uma nota final com uma citação de
Francis Omaswa que há 30 anos escreveu: “ A minha mulher
e eu tomámos a decisão ousada de ir trabalhar num hospi-
tal missionário num local remoto, no distrito de Ngora, no
Uganda, saindo do hospital universitário de Nairobi, onde tí-
nhamos passado três anos como especialistas bem sucedidos
na área da anestesiologia e cirurgia cardiotorácica. O Ugan-
da vivia os piores momentos da sua história. Era normal que
as coisas não funcionassem e os habitantes locais riam-se en-
quanto perguntavam: “Estamos no Uganda, o que se pode
esperar? Apenas o melhor”.