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Artigo Original
Introdução
O ensino médico, particularmente em África, tem sido alvo de
atenção crescente (Mullan et al, 2011;Greysen et al, 2011;Chen
et al, 2012; Monekosso, 2014; Kiguli-Malwadde et al, 2015) a
que os Estados membros da CPLP não têm sido alheios, levan-
do à proposta de integrar no Plano Estratégico de Cooperação
em Saúde (PECS) (Lapão, 2011) a criação e dinamização de uma
rede estruturante da cooperação sobre ensino médico. Esta in-
clusão foi justificada pelo reconhecimento que o principal em-
pregador destes quadros são os Ministérios da Saúde dos Estados
membros, onde os médicos são ainda os principais dirigentes a
todos os níveis, coordenadores das equipas de prestação de cui-
dados e docentes de todas as categorias profissionais. Daí que os
Ministérios da Saúde não se possam alhear do perfil dos médicos
formados e tenham que interagir com o setor educacional na
preparação e implementação das suas estratégias de recursos hu-
manos.A necessidade desta interação está bem patente nas diver-
sas acções de formação prática de educação médica que ocorrem
nas unidades de saúde, nas quais é indispensável a participação
docente de profissionais do Ministério da
Saúde.Asestratégias e
planos de formação de quadros, como a deAngola (Governo de
Angola, 2015), devem refletir a realidade nacional do setor da
saúde e ter em conta a capacidade instalada no setor para a do-
cência, acolhimento de estágios profissionais e para a realização
de investigação (McAleer et al, 2013).
Globalmente, a capacidade para educação médica reflete gran-
des desigualdades regionais: nas Caraíbas existe 1 escola médica
(EM) por cada 0,6 milhões de habitantes, nas Américas e Oceâ-
nia por 1,2, na Europa por 1,8, na Ásia por 3,5; e em África
por cada 5 milhões de pessoas. Dos 57 países africanos, 16 não
têm EM (Boulet al, 2007; Duvivier et al, 2014). Nos Estados
africanos membros da CPLP a realidade é variável, mas sempre
desafiante. Nestes existem EM emAngola (11), CaboVerde (1),
Guiné-Bissau (2), Guiné Equatorial (1) e Moçambique (6). An-
gola foi o primeiro país africano a formar médicos durante um
curto período no século XVIII (Cambournac 1982; Pinto et al
2005). Duas das EM atuais, uma em Maputo, Moçambique e a
outra, em Luanda,Angola, foram estabelecidas em 1963, duran-
te a administração colonial. Uma terceira foi estabelecida com a
ajuda de Cuba emBissau,Guiné-Bissau, em1987.Todas as outras
EM aparecerammuito mais tarde (quadro 1).
A formação médica assume um papel estratégico no esforço
destes países para corrigir o seu grande défice de médicos - An-
gola, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial e Moçambique são identi-
ficados pelo Relatório Mundial de Saúde (WHO, 2006) como
países com escassez crítica de médicos. A instituição de Redes
de Faculdades de Medicina (a nível nacional, na lusofonia e na
região africana) poderá vir a contribuir significativamente para
o fortalecimento dos sistemas de avaliação e acreditação destas
instituições, promovendo a qualidade, pertinência e relevância da
educação médica (Fresta, 2014).
Nos Estados africanos membros da CPLP a cooperação sobre
educação médica, bilateral e multilateral, tem-se refletido em
múltiplas dimensões: investigação; estabelecimento de redes co-
laborativas; dinamização de organizações da sociedade civil; re-
gulação do ensino médico; apoio às licenciaturas em medicina;
programas estruturantes de qualidade e excelência da educação/
formação; estabelecimento de mestrados em educação médica;
outras formações pós-graduadas; e planeamento de recursos hu-
manos da saúde (RHS) em articulação com o setor educacional.
Cada um destes itens será brevemente abordado.
Investigação
Abordamos aqui as experiências em desenvolver a capacidade de
investigação nas EM e reportamos alguma da investigação feita
sobre educação médica nos Estados africanos membros da CPLP.
A produção bibliográfica científica nestes Estados é baixa, mas
crescente (Gedeon et al 2013;Uthman e Uthman, 2007;Nache-
ga et al, 2012). A percentagem de publicações sem autores na-
cionais vai sendo cada vez menor, mas a proporção de primeiros
autores ainda é inaceitável.EmAngola, em2014, um autor ango-
lano foi primeiro autor só em 19% de 301 publicações incluídas
numestudo bibliográfico (Sambo e Ferreira,2015).Entre 2001 e
2010 os 60 membros da Faculdade de Medicina da Universidade
Eduardo Mondlane (UEM) e os 140 médicos do seu hospital de
ensino, Hospital Central de Maputo (HCM) publicaram 202 ar-
tigos em revistas com revisão por pares, sendo primeiros autores
de apenas 29% desses artigos (Noormohamed et al 2013). Em
parte para corrigir esta situação, em 2008, no âmbito da Iniciati-
va de Parceria emEducaçãoMédica (MEPI) (Mullan et al, 2012),
foi estabelecida uma parceria entre a UEM e a Universidade da
Califórnia, San Diego que, com o apoio do Plano de Emergência
do Presidente para Combate à SIDA e dos Institutos Nacionais
de Saúde (NIH) visa: reforçar a formação dos médicos; aumentar
a capacidade local para investigação multidisciplinar; reforçar a
infra-estrutura de informática; e recrutar e reter professores
médicos qualificados. Esta parceria serviu para alavancar, inte-
grar e fortalecer relações com outras instituições em África,
Europa (entre as quais o IHMT-UNL de Portugal) e América
do Sul (entre as quais a Universidade Federal da Bahia, Brasil).
As iniciativas levadas a cabo incluíram programas de formação
especializada, reorganização da gestão da investigação, desen-
volvimento de projetos de investigação em colaboração e um
investimento substancial em bioinformática. Foi estabelecido
um Centro de Apoio à Investigação e um Conselho de Revi-
são Institucional Independente para a revisão de projetos de
investigação que envolvem seres humanos (Noormohamed et
al, 2013).
A educação médica tem também recebido a atenção de inves-
tigadores que se têm debruçado sobre: a capacidade institu-
cional das EM (Fronteira et al, 2014), a opção pelo curso de
medicina (Dias et al, 2010), as condições de admissão (Caste-
lo, 2004; Simões, 2004), a formação de docentes (Diaz etal,
2013), as percepções dos estudantes de medicina quanto às
competências médicas (Barbosa et al, 2011; Franco, 2015),