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A n a i s d o I HM T

Não me parece conveniente separar o problema da lepra

dos restantes problemas sanitários que os membros de uma

nação civilizada, perante um mundo civilizado, têm por

obrigação de resolver para bem dos nativos. Uma melhoria

da ocupação sanitária da Guiné, julgo ser o caminho, dan-

do a todos os médicos que lá trabalham o auxílio neces-

sário e os meios terapêuticos de que hoje (...) já se dispõe

para o ataque à lepra [12].

Controlar e tratar a lepra emergia como elemento da "mis-

são civilizadora”

do Estado colonial. Importava debelar a le-

pra que alastrava na Guiné, onde não existiam medidas de

controlo do avanço da doença, como referem as médicas,

detentoras do curso de medicina tropical, Julieta Gandra e

Cecília Patuleia, na comunicação apresentada no Congresso

Comemorativo do Quinto Centenário do Descobrimento da

Guiné:

(...) os leprosos vivem em inteira liberdade passeando à von-

tade (...) nas ruas de Bissau. Os hábitos sociais, o desconhe-

cimento total dos preceitos de higiene e a promiscuidade,

somam-se como elementos de difusão da doença, à falta de

controle das autoridades locais.Tal controle só se torna pos-

sível se à máquina sanitária se derem os instrumentos devi-

damente articulados (...) [3].

Com a ida do colonizador também foi um sistema de saúde,

apoiado em teorias e práticas ocidentais que passaram a de-

sempenhar um papel importante na cartografia das doen-

ças na Guiné, contribuindo para um redefinir das relações

do “nativo” com o novo sistema de saúde. Era necessário

criar leprosarias onde obrigatoriamente fossem internados

os doentes que apresentando lesões originassem conta-

giosidade, tratando-os cientificamente. As leprosarias de-

viam-se constituir como colónias agrícolas isoladas, “(...)

evitando-se assim a ociosidade que, afetando o moral dos

doentes, não permitirá tirar do tratamento tão bons resul-

tados (...)” [13]

.

Noutra tese apresentada no CCVCDG, o antigo clínico

na Guiné, Francisco Nunes Blanco, propôs a adaptação

de uma das ilhas do arquipélago dos Bijagós, para ilha-

-leprosaria, onde os leprosos seriam reunidos e isolados

e, onde apesar da sua doença, poderiam exercer nos cam-

pos, trabalho aproveitável “(...) diminuindo com ele o

custo da sua vida” [14]. Mais uma vez, subjacente ao valor

do doente, está o valor do seu trabalho, o valor da sua

mão-de-obra.

Como a Guiné era um território pequeno, bastou a cria-

ção de um único ponto para a concentração de doentes

e de um dispensário (na zona do Alto Crim

)

. O local

eleito pelo governador Sarmento Rodrigues (em 1945)

para a futura leprosaria seria a zona de Cumura (a 14km

de Bissau), vindo o governo da Metrópole a incluir a sua

construção nos Planos de Fomento da Guiné. O governo

interessou-se por esta obra e as missões religiosas ofere-

ceram a sua colaboração [15].

Os protestantes evangélicos mostraram-se interessados na

erradicação da lepra na Guiné. Leslie Brierley em nome da

Worldwide Evangelisation Crusade

, escreveu ao Governo da

Guiné em 17 de julho de 1947 a pedir autorização para co-

laborar no combate à lepra. Dois anos depois, a missionária

inglesa, Edith Moules,

1

deslocou-se a Lisboa para abordar

com o Governo a assistência aos leprosos da Guiné: Este

autorizou, a 13 de agosto de 1949, a entrada de Herbert

Raymond Billman, na colónia. Este elaborou um vasto plano

de realizações [16], das quais se detaca a implantação duma

leprosaria em Cumura.

Pelo lado da igreja católica, o Prefeito Apostólico da Guiné,

Monsenhor Martinho da Silva Carvalhosa, ofereceu o apoio,

interesse e empenho das missões católicas, para trabalhar na

leprosaria. Em 1951, a Aldeia dos Leprosos de Cumura foi

entregue à responsabilidade dos Serviços de Saúde da Gui-

né e determinada a "sequestração" dos doentes da colónia,

devendo-se proceder ao esquadrinhar da lepra e do seus por-

tadores:

Verificando-se ser elevado o número de leprosos existentes

em toda a colónia, torna-se urgente e inadiável proceder

à sua sequestração em estabelecimento adequado a esse

fim.Tendo sido escolhido há muito o local designado por

"Cumura" na ilha de Bissau, para a instalação de uma le-

prosaria central. Considerando que não é possível, por en-

quanto, a construção de um estabelecimento de tão gran-

de projeção, resolveu o governo, no intento de se iniciar

imediatamente uma campanha de combate a esta terrível

doença, fazer executar naquele local instalações onde se

possam receber alguns doentes e que se denominará Aldeia

dos Leprosos [17].

Após um período de pesquisa de doentes (iniciada em maio

de 1951), a Leprosaria de Cumura, abriu oficialmente com

261 doentes, em 22 de abril de 1952 (o Dispensário no Alto

Crim

seria inaugurado em 1954). Por este tempo, a colónia

da Guiné debatia-se com falta de pessoal missionário por-

tuguês para suprir as carências. Era preciso evitar que a le-

prosaria caísse nas mãos dos protestantes que conquistavam

espaço na colónia. O Prefeito Apostólico tinha conhecimen-

to que alguns franciscanos da Província de Santo António

de Veneza, tinham sido expulsos da leprosaria de Mosimien

(Tibete) podendo ser aproveitados para a nova Missão. Nesse

sentido, enviou uma carta convidando a Província para enviar os

1 - Missionária, que trabalhou com leprosos. Edith Moules – “Ma Moli”- iniciou

o seu trabalho em 1927 no Congo Belga, enviada pela Worldwide Evangelisation

Crusade e abrindo uma clínica para leprosos em Naga. Durante 12 anos tratou cer-

ca de 200 doentes de lepra, diariamente. O seu marido morre em 1947 e passado

algum tempo decide ir à Guiné. Consegue visto, para ela e mais quatro missioná-

rios, estabelecendo a Missão Evangélica no Tratamento da Lepra. Foram abertos

vários dispensários para ajudar os leprosos da Guiné. Por semana eram atendidas

cerca de 700 pessoas.