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A n a i s d o I HM T
das falanges das mãos. Perda do metacarpo e/ou do me-
tatarso. Perda total do pé até ao calcanhar" [28]. A ideia
surgiu em 1958, quando tiveram alta os 121 doentes con-
siderados clinicamente curados.Verifica-se que o número
de doentes internados reduz-se após 1958, graças à pos-
sibilidade de terapêutica em ambulatório, contudo vai-se
manter aproximadamente constante, pois os doentes não
tinham possibilidade de alta por falta de acolhimento das
suas famílias e comunidades, e ainda porque tinham gra-
ves limitações físicas (graf. 1
Num relatório, o Superior da Missão apresentava o pro-
blema do elevado número de doentes com internamento
permanente, “os doentes internados (...) são doentes ‘fi-
xos’, destinados ao internamento até à morte por causa
das mutilações e deformações nas mãos e nos pés, e outros
por se encontrarem ‘positivos’, isto é perigosos. A quase
totalidade dos leprosos internados não tem esperança de
recuperação física ou para utilidade da sociedade.” [30]
Decerto seriam alvo de medo, maus-tratos, abandono,
estigma e negligência das famílias e comunidades. Depois
de desmatar e aplanar o terreno, foram erguidas as oito
casas e um armazém. Construiu-se aí uma aldeia para aco-
lher trinta e duas pessoas (E.3). O projeto foi concreti-
zado em 1978, a quinhentos metros do hospital (fig. 5).
Evitava-se a repetição da história de Samba, noutras vidas
na lepra, “(...) Samba, veio do sul. Construíram uma pa-
lhota para ele ficar sozinho, longe da sua tabanca, onde
ninguém podia chegar próximo. Ficava completamente só
e abandonado. O Dr. (...) trouxe-o, tratou-se no hospi-
tal e agora está aqui a morar... não volta mais para a sua
tabanca” (E.4).
Nota Final: Hoje
“A importância de Cumura? Só Cumura é que tem
lepra, só em Cumura é que se trata a lepra, é o úni-
co hospital que descobre a lepra. A importância de
Cumura é descobrir se o doente tem lepra ou não
tem lepra. Se o doente tem lepra, diz-se que o doente
tem lepra. Se o doente não tem lepra, diz-se que o
doente não tem lepra. Se é lepra paucibacilar, é hos-
pital de Cumura. Se é lepra multibacilar, é hospital de
Cumura.” (E.5).
Hoje Cumura é um hospital de referência no tratamento
da lepra e na assistência médica em geral, na Guiné-Bissau.
É uma referência para muitos doentes da África Ocidental
(Guiné-Conakry, Gâmbia, Mauritânia, Senegal, Mali, Gana),
que ao manifestarem-se os sinais de doença, se deslocam
para Cumura. Cumura é ponto de confluência e de encontro
de múltiplas histórias de vida traçadas na lepra (fig. 6).
Já saíram do hospital mais de três mil doentes curados des-
de a sua abertura. Doentes que estão ancorados a distin-
tas cosmovisões, como referencial interpretativo da lepra
enquanto um mal
social que se inscreve nos corpos [31].
Enquanto os ‘costumes’ da biomedicina estão solidamente
ancorados na higiene; os deles são simbólicos: nós matamos
os germes, eles afastam os espíritos.” [32]. Depois de per-
corridos diversos itinerários terapêuticos, Cumura afigura-
-se como etapa decisiva. Cumura é a alegoria de uma meta
na caminhada no sofrimento, ponto de cura física, ponto de
combinação dos poderes do universo dos altares sagrados
com os poderes da biomedicina.
Fig. 5:
Projeto das habitações para a aldeia de ex-leprosos [21]