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Eram isolados todos os doentes encontrados com lepra, infe-
ciosos ou não. Bastava que tivessem chagas ou deformidades
nas mãos ou pés. A partir de 1 de julho de 1958, passou a
estar dependente da Missão para a Luta contra a Doença do
Sono, impondo um novo regime de internamento: só seriam
internados doentes considerados contagiosos, mediante exa-
me microscópico do sangue e do muco nasal; todos os outros
doentes, negativos, mesmo que tivessem chagas ou tivessem
mutilações, seriam identificados e tratados no seu meio fami-
liar e semanalmente visitados por enfermeiros das brigadas
móveis (que se deslocavam em motas), para administrarem
a medicação (a Sulfona). O combate da doença era feito de
modo a "tornar o tratamento o menos incómodo possível
para os doentes, levando-se-lhes o medicamento até próximo
das suas residências, em vinte e seis tabancas-enfermaria (fig.
4), constatando-se boa assiduidade ao tratamento em todos os
sectores" [23].
Com esta decisão tiveram alta do hospital 121 leprosos, com
baciloscopia negativos, embora muitos com graves deformi-
dades. Permaneceram no hospital 62 doentes positivos e o
número de palhotas passou a nove. Em catorze anos, a admi-
nistração colonial pouco fez para melhorar as condições do
hospital, propondo os missionários a sua cedência e eles se
encarregariam de reconstruir e melhorar todo o hospital. Em
9 de maio de 1969, o hospital foi entregue à Missão Católica
de Cumura:
Considerando que os Missionários Franciscanos de Vene-
za, que vieram para esta Província para se ocuparem do
tratamento da lepra no Hospital-Colónia de Cumura, se
adaptaram às exigências do tratamento dos leprosos, reve-
lando muita dedicação, espírito humanitário e de sacrifí-
cio, realizando trabalho a todos os títulos notável, sendo
de salientar as obras de carácter religioso e social durante
a curta permanência naquele Hospital-Colónia (...) Os
terrenos que faziam parte da Reserva do Estado a cargo da
Missão de Combate às Tripanossomíases (...) situados na
região de Cumura, área do Posto Administrativo de Prábis,
concelho de Bissau, confrontando pelo Norte, Este e Oeste
com o rio Pefiné e pelo Sul com baldios e Missão Cató-
lica de Cumura, passem a constituir uma reserva parcial
para o tratamento da lepra, a cargo da Missão católica de
Cumura [25].
Com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, as obras do
hospital avançaram [26], permitindo a passagem do interna-
mento em palhotas para pavilhões de construção definitiva
com capacidade para acolher 140 doentes [27].
O medo do contágio levou a que fosse construído, nas
proximidades, um preventório (Lar João XXIII) para
acolher os filhos dos internados com doença. Segundo
diretrizes internacionais, não era aconselhável as crian-
ças permanecerem no hospital-colónia. Em dezembro de
1970 foram retirados os filhos dos doentes, "cerca de 25
crianças, de um, dois, três anos" (E.3) e colocados ao
cuidado de freiras que viviam perto do local. As crian-
ças voltaram para junto dos pais em 1973, altura em que
"já se falava" da reduzida possibilidade de transmissão da
doença, graças à eficácia da medicação. Caro, enfermeiro,
confirma essa perspetiva ao afirmar que "até hoje não há
filhos de Cumura, doentes!" (E.4).
Outro projeto idealizado pelo Padre Settimio foi a cons-
trução duma aldeia, destinada a acolher antigos doentes
mutilados pela lepra, "(...) com perda total ou quase total
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Número de Doentes
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EXISTENTES A 1 DE JANEIRO ENTRADA DURANTE O ANO ALTAS FALECIDOS
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1975
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Anos
EXISTENTES A 1 DE JANEIRO ENTRADA DURANTE O ANO ALTAS FALECIDOS
Gráfico 1:
Movimento de doentes na leprosaria de Cumura no período entre 1952 e 1978 [29]
Doenças, agentes patogénicos, atores, instituições e visões da medicina tropical