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de endemia nacional em meio à preocupação sanitária - que
marcou a primeira fase do movimento sanitarista - com as
doenças do mundo rural.
A partir deste primeiro momento que envolveu a delimi-
tação do problema representado pela lepra, teve início um
movimento de controle da doença que foi fortalecendo-se
continuamente, à medida que os leprólogos tentavam dar
concretude aos argumentos do risco social e económico
que a enfermidade representava para a nação brasileira. O
médico Olyntho Orsini resumiu o problema da seguinte
forma: “o Brasil é verdadeiramente um grande foco de le-
pra, flagelo que o acompanha desde quase o seu descobri-
mento” [11]. Pode-se considerar, então, que a criação da
Inspetoria de Profilaxia da Lepra e Doenças Venéreas,
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em
1920, foi uma das primeiras respostas do poder público ao
risco em que lepra fora transformada pelo discurso mé-
dico. As principais ações da Inspetoria deram-se no senti-
do de instituir a obrigatoriedade da notificação da doença,
o exame periódico nos comunicantes e o isolamento do
leproso, nosocomial ou domiciliar. Neste momento, não
havia ainda um plano estruturado de controle da doença,
embora, seguindo as tendências dos congressos nacionais e
internacionais, os leprólogos brasileiros tenham implanta-
do estas primeiras práticas.
O isolamento só se tornaria a principal medida de combate
à doença posteriormente, mas, para que isto ocorresse, foi
preciso, antes, convencer os governos a investir na constru-
ção das instituições para segregar os leprosos. Pois, apesar
da urgência que se desejava imprimir ao problema da lepra,
muitas eram as questões que se contrapunham à implemen-
tação de uma política isolacionista ao longo da década de
1920. Posso citar como as duas principais: o pacto federativo
de autonomia dos estados que restringia a intervenção da
União e os problemas económicos decorrentes de uma crise
mundial. Não obstante tais obstáculos, as políticas de con-
trole da doença conseguiram se impor, como bem demons-
trado através do plano nacional de construção de leprosários
empreendido pelo governo federal em 1935.
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9 - O Decreto nº3.987 de 02 de janeiro de 1920, reorganizou os serviços sanitários
federais e criou o Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), órgão que
proporcionou uma maior intervenção e centralização das questões de saúde dos
estados. Na historiografia sobre história da saúde pública é recorrente a ideia de
que o Departamento Nacional de Saúde Pública inaugurou uma nova etapa nas
políticas de saúde pública e saneamento no Brasil. Nesta nova fase, o Estado assumiu
maiores responsabilidades no que se referia à saúde da população, justamente por-
que o DNSP institucionalizou definitivamente as práticas sanitárias no interior do
Estado na Primeira República. E o movimento que, anteriormente, se voltava para
os problemas do mundo rural se ampliou e alcançou também os problemas de saúde
pública presentes nas cidades. Sendo a criação da Inspetoria de Profilaxia da Lepra
e DoençasVenéreas uma das ações implementadas neste sentido.
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Doenças, agentes patogénicos, atores, instituições e visões da medicina tropical