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quela data, reunir-se-iam a cada quatro anos, a fim “de

promover o desenvolvimento progressivo dos estudos so-

bre a lepra e das medidas de higiene pública destinadas a

combatê-la” [5]. A preocupação com a doença intensifi-

cava-se, bem como o apelo para que os governos inves-

tissem na organização de uma estrutura de saúde pública

destinada ao controle da mesma.

A Primeira Conferência Americana de Lepra, zelando pelos

mais relevantes interesses sanitários e atuando de acordo

com os altos ideais da humanidade, resolve levar aos países

que nela se fizeram representar, a indicação premente da

urgência com que deverão ser praticadas medidas sanitá-

rias, que atendam a magnitude do problema da lepra; re-

solve ainda fazer um chamado aos Governos daqueles paí-

ses, no sentido de que organizem, sobre bases adiantadas e

eficientes, a assistência médico-social dos leprosos

[5].

A mobilização em torno deste tema, como já destacado,

devia-se, em parte, à perspetiva saneadora, tanto do Brasil,

quanto dos demais países da América Latina. Já que naquele

momento as sociedades latino-americanas enfrentavam di-

lemas cruciais, tais como a delimitação do papel do Estado

na promoção do bem-estar da população e, sobretudo, a

necessidade de se inserirem no mundo moderno e civiliza-

do. Conscientes destas questões, os sanitaristas utilizavam-

-se do discurso “reformador” da sociedade para colocarem

suas demandas na pauta do poder público. Um forte ar-

gumento utilizado por eles foi a possibilidade de os países

latino-americanos tornarem-se reconhecidos como nações

“leprosas”. Torres destaca que para o caso da Colômbia,

por exemplo, “no começo do século XX, uma nova ordem

política e social transformou a lepra de um problema de

caridade cristã, em obstáculo na luta pelo progresso e pela

civilização” [2]. Sendo assim, diante da premência em tra-

tar-se o problema, outra conclusão importante da Confe-

rência foi relativa ao modelo de organização a ser adotado

no controle da doença.

Em cada país o combate contra a lepra deverá ser orienta-

do sobre um plano uniforme, cuja aplicação será extensiva

a quaisquer regiões, nele sendo interessados os departa-

mentos administrativos. Será de toda conveniência que o

Governo nacional centralize, tanto quanto possível, as pro-

vidências administrativas e oriente os estados, províncias

ou departamentos, na campanha contra a lepra, e princi-

palmente nas medidas técnicas essenciais

[5].

A intenção era envolver totalmente os governos no pro-

cesso de combate à lepra, adotando um padrão centrali-

zador.

Tal orientação possuía implicações profundas no

Brasil, uma vez que graças ao pacto federativo, os estados

possuíam autonomia para deliberar sobre algumas questões

sem submeter-se ao governo federal, dentre as quais, as

relativas à saúde. Os leprólogos brasileiros empreenderam

grandes esforços a fim de que as orientações dessa “Pri-

meira Conferência Pan-americana de Lepra” fossem rigo-

rosamente seguidas. A estratégia adotada por eles consistiu

em descrever a lepra como um problema nacional, por-

tanto passível de ser resolvido através da união de todos os

estados da federação e, obviamente, da submissão destes

às orientações do governo central. De acordo com Costa,

“materializar o problema da lepra no Brasil significava con-

ferir-lhe visibilidade para além do discurso médico, o que

deu diferentes nuanças à trajetória da doença em se estabe-

lecer como uma ‘endemia nacional’” [10:245]. Uma forma

importante de materializar o problema era através da rea-

lização de censos, por isto, esta foi uma das mais incisivas

orientações da conferência de 1922, cuja conclusão foi de

que “o ponto de partida indispensável para a organização

de qualquer campanha contra a lepra é o respetivo censo,

realizado com a maior amplitude e segurança possíveis” [5].

Isto, porque estes censos identificariam estatisticamente o

número de leprosos e, consequentemente, criariam con-

dições de convencimento sobre a urgência em solucionar

a questão. Entretanto, mesmo antes destes censos serem

realizados, os leprólogos já trabalhavam com uma estima-

tiva sobre o número de doentes no país. Um bom exem-

plo disto está na matéria em que o médico Olyntho Orsini

procurou traçar um histórico do tratamento dispensado ao

flagelo

nacional:

Souza Araújo, quando de sua posse na Academia de Medi-

cina (década de 1920), chamando a atenção dos governos

para o problema da lepra, dizia não ser exagero calcular

em 60 mil os leprosos do Brasil. Em 1930, já era, porém,

da opinião que eles orçavam em 30 a 33 mil, com um índi-

ce de 1 por mil e afirmava que esta incidência nos colocava

entre os países semi-civilizados

[11].

O médico faz alusão aos dados divulgados pelo leprólogo

Souza Araújo, que entre os anos de 1924 e 1927 realizou

uma expedição a diversos países do mundo com o objetivo

de estudar a lepra.A partir das observações e dos dados co-

letados nesta viagem, o leprólogo redigiu a obra “A Lepra:

estudo realizado em 40 países” [12] e nela divulgou a pri-

meira estimativa do número de enfermos, mencionada na

citação anterior. Os números divulgados por Souza Araújo

são fruto de suas observações, pois ele não apresentou ne-

nhum dado empírico, assim, pode-se indagar se o exagero

nesta primeira aferição não esteve relacionado à necessi-

dade que o médico sentia de caracterizar a lepra como um

problema nacional. Tanto é que no alvorecer da década de

1930 quando estudos empíricos já estavam sendo realiza-

dos e, inclusive, com base neles, Souza Araújo repensou sua

estatística. Contudo, muito mais do que discutir a hipótese

de tal aferição ter envolvido a manipulação das estatísticas,

quero ressaltar que quando Orsini cita o consagrado lepró-

Doenças, agentes patogénicos, atores, instituições e visões da medicina tropical