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A n a i s d o I HM T

feminino; a faixa etária do grupo era entre 41 e 65 anos.

Os resultados desta pesquisa revelaram que um dos grandes

impactos da medida de segregação e afastamento dos doen-

tes de seus filhos, foi o aprofundamento do estigma na socie-

dade brasileira sobre a história da lepra e, em consequência,

da hanseníase. Assim, como efeitos perversos, vimos o rom-

pimento dos vínculos destes sujeitos com a família e com as

redes de sociabilidade, conformando um modo de discrimi-

nação social que se traduz na história de vida e na trajetó-

ria social de diferentes formas. Importante ressaltar que tal

trabalho foi submetido e aprovado pelo Comité de Ética em

Pesquisa da UERJ

4

. Logo, a identificação dos depoentes e os

dados analisados que conformaram os resultados desta in-

vestigação, foram tratados sob o rigor da ética em pesquisa,

além do uso do termo de consentimento livre e esclarecido,

garantindo o sigilo das informações. Nosso objetivo é que

este artigo possa contribuir com a compreensão acerca da

história de uma infância institucionalizada, narrada nas vozes

dos sujeitos que ficaram órfãos pela política de saúde pública

para a lepra no Brasil.

Profilaxia e confinamento

Vimos que no século XX, a preocupação com a criança sadia,

filha de paciente de lepra, se destacou no Brasil a partir da

década de 1920. Neste contexto, a política de construção

dos preventórios foi reflexo das medidas sanitárias adotadas

no país, visando o combate e o controlo da doença.

O Decreto nº. 16.300, de dezembro de 1923, que regula o

Departamento Nacional de Saúde Pública no que diz respei-

to à Prophylaxia Especial da Lepra, afastava os filhos sadios

do convívio familiar e os segregava em instituições criadas

para isto. Dentre os artigos do Decreto, destacam-se, os ar-

tigos 148 e 161:

Art. 148. No estabelecimento de leprosos, além das dispo-

sições já determinadas e das que forem prescritas em seus

regimentos internos

5

, serão observadas também:

a) os filhos de leprosos, embora um só um dos progenito-

res seja doente, serão mantidos em secções especiais, anexas

às áreas de pessoas sãs do estabelecimento, para onde serão

transportados logo depois de nascidos;

b) essas mesmas crianças não deverão ser nutridas ao seio de

uma ama e não serão amamentadas pela própria mãe se esta

for leprosa.

Art. 161. O doente isolado em domicílio, além das reco-

mendações que em cada caso serão feitas pela autoridade sa-

nitária, deverá cumprir as seguintes determinações:

a) afastam-se sempre das crianças que residam ou permane-

çam no domicílio [8].

A palavra Preventório

6

é definida como: internato para

crianças predispostas a certas doenças, ou estabelecimento

onde são tratadas preventivamente filhos de leprosos ou tu-

berculosos, que são criados separados dos pais para evitar

contágio.

A prática do isolamento preventorial fora internacionalmen-

te recomendada por leprologistas em vários tratados cien-

tíficos, que definiam que, na transmissão da lepra, o meio

familiar ou doméstico e a maior suscetibilidade da infância

favoreciam o contágio. Em pesquisas realizadas em países

endémicos, dentre eles o Brasil, estudiosos observaram que

as crianças eram mais facilmente infetadas e deveriam ser

submetidas a maior vigilância após exposição a um doente.

Para eles, tal vigilância aplicada nos preventórios, se dava

como medida profilática eficiente, que passou a ser defen-

dida no Brasil, a partir de 1916, por Heráclides César de

Souza-Araújo [8].

Em razão do entendimento que as crianças poderiam desen-

volver o bacilo da doença em outras fases da vida, elas chega-

ram a ser classificadas como “leprosos” em potencial, alimen-

tando o medo e o preconceito da sociedade contra os filhos dos

doentes. Em São Paulo, as crianças eram submetidas a exames

periódicos nas dependências do Departamento de Profilaxia

da Lepra (DPL). Para Campos e Bechelli, “falhará, sem dúvi-

da qualquer organização que julgar suficiente o isolamento do

doente contagiante sem assistir e vigiar sua prole, sem manter

sob vigilância clínica suas comunicantes” [9].

A primeira instituição criada com esta finalidade foi o Pre-

ventório de Molokai, em 1880 no Havaí, tendo como pre-

cursor o Padre Damião. Tal iniciativa deveu-se, sobretudo,

em função do alto número de crianças saudáveis que convi-

viam entre os doentes de lepra na Ilha de Molokai. Por isso,

buscando preservar as crianças da contaminação da doença,

o padre decidiu separá-las dos enfermos, influenciando al-

guns países endémicos da América do Sul, como Brasil, Co-

lômbia e Argentina.

Alguns leprologistas acreditavam na eficácia da construção

dos preventórios próximo à área urbana e não aconselhavam

que estivessem perto dos leprosários, o que poderia ser pre-

judicial às crianças. Eles defendiam que a sociedade poderia

confundir uma instituição com a outra, inferindo aos me-

nores o estigma que atingia seus pais. Ademais, os filhos dos

doentes não ofereceriam risco à saúde da população, uma

1 -Compreendemos instituições totais como aquelas onde há a ruptura das barreiras

que comumente separam algumas esferas da vida do indivíduo que, geralmente, são

realizadas em diferentes lugares, com diferentes co-participantes, sob diferentes

autoridades e sem um plano racional geral [1].

2 - No Brasil, a Lei N° 9010, de 29 de março de 1995, alterou o termo Lepra para

Hanseníase, com o objetivo de contribuir para a eliminação do preconceito em

torno do doente. Contudo, neste artigo, priorizamos a expressão lepra, tendo em

vista o caráter histórico que buscamos privilegiar.

3 - Ultrapassam os limites deste artigo a análise sobre as características de tal po-

lítica em cada uma destas regiões. Em linhas gerais, pode-se afirmar que foram

emblemáticas na história da assistência ao doente de lepra no país.

4 - Aprovado no dia 24/04/2013, sob o número 13764913.7.0000.5282.

5 - O “Regime Interno” foi adotado por todos os preventórios que recebiam sub-

venção federal e estavam ligados à Federação das Sociedades de Assistência aos

Lázaros e Defesa contra a Lepra.Aprovado pelo Departamento Nacional da Saúde,

o documento foi publicado na Revista de Combate à Lepra em março de 1941, p.

48-52 [8].

6 - www.dicionariodoaurelio.com.Acesso em 06 de junho de 2013.