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vez que apresentavam bom quadro clínico e com frequência

eram submetidos a exames para verificar se estavam com a

doença.

Além de facilitar sua administração, outro forte argumento

utilizado em defesa da construção dos preventórios nas cidades

era o facto de que as crianças poderiam ter maiores possibili-

dades de socialização e, consequentemente, de se adaptarem

melhor a vida fora destes estabelecimentos. Nelson Campos

e Luiz Bechelli, médicos do Departamento de Profilaxia da

Lepra do Estado de São Paulo, viam benefícios na localização

central dos preventórios, inclusive, para minimizar o estigma

e contribuir para as vantagens que a mudança de nome preven-

tório para educandário

7

poderia trazer [8].

Entretanto, a resistência da população urbana de abrigar em

sua proximidade crianças que conviveram com doentes de

lepra, poderia ser interpretada e, por vezes, reforçada pelos

meios de comunicação, de maneira preconceituosa.A exem-

plo disso, vimos um artigo do

Jornal de Goyas

, publicado em

26 de junho de 1941:

(...) Mas há uma classe de crianças pobres, sem am-

paro dos pais, que não são aceitas nos lares abastados,

nem nos asilos, nem tampouco nos hospitais.

Ninguém as quer, nem mesmo os internados escola-

res, quando podem pagar escolas.

Todos as evitam com muita precaução, com muito

medo.

Quem são essas crianças?

Porque todos fogem delas?

Por que não encontram amparo na sociedade?

São crianças iguais às outras.

Mas são filhos de leprosos.

Eis a razão: filhos de leprosos!

A sociedade repele amedrontada esses meninos por-

que a doença de seus pais é contagiosa, terrível, mu-

tilante e impiedosa [8].

Com esses elementos, a construção dos preventórios no Bra-

sil, em sua maioria, deu-se em regiões afastadas das cidades

e dos leprosários. Mesmo após comprovação científica que,

sob o ponto de vista profilático, os filhos dos doentes de lepra

não apresentavam riscos à sociedade, as autoridades sanitá-

rias impediam os preventórios próximos aos leprosários.

A primeira iniciativa de construção de um preventório no

país ocorreu em 1922, quando um grupo de senhoras da

alta sociedade paulista deu início a execução de um projeto

que objetivava abrigar crianças com este perfil. Em 1927,

apoiado em doações filantrópicas, é inaugurado na cidade de

Carapicuíba/SP, o PreventórioTerezinha do Menino Jesus. E

a partir do final de 1940, tem-se à instalação de preventórios

na zona rural, na proporção de 18 unidades rurais para nove

urbanas [8].

O artigo 1° do Regimento Interno dos Preventórios definia

como objetivos:

(...) acolher, manter, educar e instruir menores sa-

dios filhos de conviventes de doentes de lepra, desde

que não tenham parentes idóneos que queiram assu-

mir esse encargo e que disponham de recursos para

educá-los e mantê-los sob a vigilância das autoridades

sanitárias competentes [10].

Em cada estado brasileiro foi instalado, pelo menos, uma

instituição preventorial, exceto em algumas unidades fede-

rativas, como Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, que

em virtude da alta incidência da moléstia e por contar com

um maior número de leprosários, tiveram dois ou mais pre-

ventórios. A maioria deles foram construídos por organiza-

ções filantrópicas, subsidiado por recursos governamentais

e o seu processo de ampliação ocorreu de maneira gradual,

sobretudo no governo de GetúlioVargas [9].Até a década de

1960, foram criados 31 Educandários, embora alguns não ti-

vessem atuação exclusiva no tratamento destas crianças.

No contexto da política pública de combate à lepra no Brasil

importava que os sãos estivessem a salvo, livre do contágio, das

deformidades, da ameaça aos nobres traços do ser humano e

da incapacidade para o trabalho. Elementos vistos nos jornais

da época: “o filho do lázaro, que hoje brinca despreocupado ao

lado do teu filho, talvez traga consigo o germe do mal terrível.

Trabalha, pois, em prol do ‘Preventório’, a fim de resguardar

dos perigos da lepra aqueles que te são caros” [11].

Ante ao exposto, vimos que tal política não se ateve aos

efeitos adversos da violência gerada pelo desmantelamento

brusco do grupo familiar, cujos impactos se traduzem sob

diversos âmbitos. Na correlação de forças que foi instaurada,

o saber científico foi posto acima das relações naturais que

unem pais e filhos, reduzindo os meios familiares e reprodu-

zindo uma geração de órfãos da saúde pública brasileira.

Vozes da infância da lepra no Brasil

Para apresentar os resultados da investigação empírica, or-

ganizamos os relatos derivados das entrevistas de história

oral

8

[12] com os depoentes a partir dos seguintes eixos de

análise:

Sobre a separação familiar

“Nasci no Curupaiti, com 2 horas de vida já era levado pra lá.

Recém nascido” (E.E, 2013).

Do ponto de vista científico, o modelo profilático para o

controlo da lepra no Brasil buscou afastar os filhos sadios

dos doentes devido ao risco de contágio. Contudo, vimos

o quanto tal modelo favoreceu o desconhecimento dos su-

jeitos sobre suas próprias origens. A separação familiar re-

presentava uma das diversas formas de violência, conforme

abaixo:

Doenças, agentes patogénicos, atores, instituições e visões da medicina tropical