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e a deVital Brazil, que se tornou a maior coleção de serpentes

neotropicais do mundo, instalada no Instituto Butantan, em

São Paulo, se transformou em cinzas em maio de 2010. No

entanto, ambos tiveram a precaução de enviar uma quantidade

considerável de animais para o Natural History Museum, em

Londres, Inglaterra, que, hoje, é o único lugar que abriga parte

da memória das coleções destes cientistas [8, 12].

Para além das diferenças de período histórico e das localidades

em que viveram,Wucherer eVital Brazil transformaram os obs-

táculos com os quais se depararam em benefícios para a coleti-

vidade e para as ciências. Acima de tudo, tiveram em comum

uma peculiar aventura intelectual e existencial, sobre a qual,

provavelmente, nunca saber-se-á ao certo o que os fortaleceu

e os permitiu alcançar tamanha liberdade e coragem para en-

frentar grupos hegemônicos adversos e ambientes tão hostis. O

que é possível constatar com clareza é que se desfruta ainda hoje

do que ambos projetaram com suas pesquisas sobre o ofidismo,

cada um a seu modo e a seu tempo, contribuindo para a medi-

cina tropical mundial.

A especificidade dos soros

antipeçonhentos:

um diálogo entre França e Brasil

No início do século XX foi travado o primeiro diálogo científico

entre França e Brasil. De um lado, o pesquisador francês Albert

Léon Charles Calmette do renomado Instituto Pasteur e a teoria

de que seu soro antipeçonhento possuía ação neutralizante sobre

todos os venenos ofídicos. Do outro, o pesquisador brasileiro

Vital Brazil que acabara de criar o Instituto Butantan e sua teoria

da especificidade dos soros. Ao analisar a obra de Vital Brazil,

foi identificado o diálogo científico travado entre ambos, num

processo representativo de comunicação científica. Com base

na análise de quatro cartas de Calmette enviadas aVital Brazil,

disponíveis na Casa deVital Brazil, foram identificados trechos

relevantes capazes de comprovar a colaboração científica entre

esses dois pesquisadores. Não só sobre a elucidação da questão

da especificidade dos soros,mas tambem sobre a relação de ami-

zade e admiração demonstrada pelo pesquisador francês pelo

trabalho deVital Brazil.

As cartas foram enviadas do Instituto Pasteur de Lille, em Fran-

ça, e são datadas de 31/10/1903, 27/5/1904, 29/10/1904 e

26/1/1912. É importante salientar que o período coberto por

essa correspondência é praticamente o mesmo em que trans-

correu a controvérsia

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sobre a especificidade dos soros antipe-

çonhentos, 1901 a 1912 [13]. As cartas apresentam diversas

evidências capazes de caracterizar a relação científica dos pes-

quisadores, tais como:

O tratamentomenos formal dado por Calmette aVital Brazil:

“Mon cher confrère” (Meu caro confrade) (Cartas de

31/10/1903 e de 29/10/1904);“Très honoré collègue” (Muito

honrado colega) (Carta de 27/5/1904); “Mon cher ami” (Meu

caro amigo) (Carta de 26/1/1912).

A importante colaboração científica, em especial para a elu-

cidação da questão da especificidade dos soros, traduzida pelo

envio de soro antiofídico, espécimes de venenos de serpentes

e serpentes do Brasil, por parte deVital Brazil a Calmette:

“Dr Marchoux m’a remis de votre part le sérum antiophidique et les

spécimens de poisons de serpents du Brésil que vous avez eu l’extrême

obligeance de lui donner pour moi.”

(Dr.Marchoux me trouxe de sua

parte o soro antiofídico e os espécimes de veneno de serpentes

do Brasil que o senhor teve a bondade de me doar). (Carta de

31/10/1903).

“J’ai reçu avant-hier votre très aimable envoi.Les serpents sont arrivés en

parfait état et je suis enchanté de conserver cette magnifique collection

qui va me permettre de comparer les venins de serpents du Brésil avec ceux

de l’Inde et des autres pays que je pourrais seuls me procurer jusqu’à pré-

sent.”

(Recebi anteontem seu muito amável envio. As serpentes

chegaram em perfeito estado e estou encantado em conservar

essa magnífica coleção que vai-me permitir comparar os vene-

nos de serpentes do Brasil com os da Índia e de outros países, o

que só podia fazer até agora). (Carta de 27/05/1904).

O reconhecimento e a admiração de Calmette pelo trabalho

deVital Brazil:

“J’applaudis de toute mes forces à l’oeuvre que vous avez entreprise à

São Paulo et je souhaite que vous réussissiez à faire persister l’usage du

sérum dans tout ce beau pays du Brésil où vous rendrez aussi les plus

grands services!”

(Aplaudo com toda minha força o trabalho que

o senhor tem realizado em São Paulo e desejo que consiga con-

tinuar a utilizar o soro em todo esse belo país que é o Brasil,

onde o senhor presta também os maiores serviços!). (Carta de

31/10/1903).

“Veuillez agréer très honoré confrère, l’expression de mes sentiments les

plus distingués et celle de mon admiration pour vos travaux.”

(Queira

receber muito honrado confrade, a expressão dos meus senti-

mentos os mais distintos e aquele de minha admiração por seus

trabalhos). (Carta de 31/10/1903).

A possível colaboração deVital Brazil em uma das obras

de Calmette, ao que tudo indica em seu livro lançado em

1907, “Les Venins, les animaux venimeux et la sérothérapie

antivenimeuse”. [14]. Calmette solicita a Vital Brazil para

que este lhe envie seus trabalhos e dê indicações de livros

nos quais possa encontrar informações e figuras coloridas

das serpentes brasileiras:

“Je prépare en ce moment un ouvrage sur les serpents venimeux et les

venins dans toute la série animale.Serais-je indiscret en vous demandant

de vouloir bien me les envoyer pour que mon travail soit bien complet

en ce qui concerne le Brésil, d’abord vos travaux sur cette question et

aussi l’indication des ouvrages ou brochures où je trouverais la meilleu-

re description et les meilleures figures colorées reproduites des serpents

venimeux de votre pays.”

(Preparo no momento uma obra sobre

as serpentes peçonhentas e os venenos em toda a série animal.

Seria eu indiscreto em lhe pedir para me enviar, para que meu

trabalho seja bem completo em relação ao Brasil, seus trabalhos

sobre essa questão e também a indicação de obras ou brochuras

Doenças, agentes patogénicos, atores, instituições e visões da medicina tropical