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A n a i s d o I HM T
Mas este caminho de progresso no combate à doença do sono
iria ser dramaticamente interrompido, como veremos.
Por um motivo fútilVicente Ferreira é demitido [34] e quando
Damas Mora regressa de uma viagem de inspeção pelo norte
da província vê-se confrontado com a nomeação para Gover-
nador-Geral Interino de Angola. Numa primeira reação pensa
não aceitar, porque era “médico e só médico”, mas depois re-
considera por razões patrióticas e toma posse do lugar em 5 de
novembro de 1928 [35]. Durante o seu mandato, que irá até 2
de fevereiro de 1929 foi agraciado com o grau de Doutor pela
Universidade do Cairo [37].
No desempenho do lugar afirma a sua convicção de que o futuro
deAngola assentava em três fatores: multiplicação da população
europeia e indígena, desenvolvimento das comunicações e fo-
mento agrícola.
Para dar um sinal do seu interesse por este último percorre, du-
rante 10 dias, o interior deAngola até à fronteira com o Congo
Belga (cerca de 3.000 quilómetros) para promover emAngola
a “Campanha doTrigo”, lançada porVicente Ferreira, e que Sa-
lazar, Ministro das Finanças, tinha instituído na metrópole [36:
1-2]. Fez a gestão comum dos problemas da província, e ainda
presidiu à Conferência Sanitária Luso-Belga.
Em fevereiro de 1929, Filomeno da Câmara, uma alta patente
da Marinha de Guerra, é nomeado Alto Comissário emAngola
e no seu discurso de posse, de acordo com a política de austeri-
dade da época, afirma estar disposto a dissolver todos os orga-
nismos que “não deem rendimento de trabalho em proporção
dos trabalhos que provocam” [36: 2].
Filomeno da Câmara era simpatizante integralista com con-
vicções e prática de extrema-direita [38] e tinha, no campo
económico-financeiro, o apoio de Salazar. Damas Mora era um
republicano liberal e os colonos deAngola colocavam-se, no es-
pectro político, à esquerda do Governo Central [38: 119]. O
choque era inevitável e, então, a força estava do lado do Alto
Comissário.
Passando à ação, retirou todos os poderes à Comissão de Assis-
tência ao Indígena, suprimiu várias zonas daAMI, reduziu, dras-
ticamente, os ordenados dos médicos que combatiam no ter-
reno a doença do sono, muitos dos quais, deportados políticos
que Damas Mora protegera, tendo demitido alguns por razões
políticas, embargou maternidades e aboliu as missões volantes
[31].
Damas Mora, anos mais tarde, denominou este período como
“onda de sadismo destrutivo” [8: 21].Todo o plano sanitário de
Angola se desfez, e Damas Mora abandona o território e regres-
sa à metrópole, sendo, então, a convite do poderoso presidente
da Organização de Saúde da Liga das Nações, Ludwik Rajch-
man, nomeado representante de Portugal no Comité de Peritos
da Doenças do Sono, com sede em Genebra [11].
Entretanto, a tensão entre Filomeno da Câmara e os colonos
deAngola tinha-se agravado, e quando aquele se encontrava em
Benguela, no sul da colónia, em visita oficial, em 20.3.1930,
a guarnição militar de Luanda, que se tinha posto ao lado da
população, cerca de madrugada a casa doTenente Moraes Sar-
mento, seu chefe de gabinete e apoiante político, e quando este
tenta reagir com armas na mão, é morto pelos militares. Estes
acontecimentos, abafados na metrópole pela Censura, levaram a
uma situação à beira da guerra civil, mas o Governo Central an-
tecipa-se e demite Filomeno da Câmara obrigando-o a embar-
car em Benguela, que abandona em 1.4.1930, em viagem direta
para Lisboa [39]. Ter-se-ão cruzado no alto-mar, pois Damas
Mora, afastado o antigo amigo dos tempos de Timor, aportava
em Luanda em 11.4.1930, para retomar as suas antigas funções.
Mas, apesar do apoio dos governadores-gerais Bento Roma e
Sousa e Faro, nada voltaria a ser como outrora.
Nos relatórios oficiais Damas Mora lamentava-se de só em parte
ter conseguido converter os cuidados de saúde individuais em
cuidados de Higiene Pública, mas, já no período final deste seu
mandato lembrava que a Doença do Sono tinha deixado de ser a
calamidade dos anos 20, tendo o índice de infeção, por exemplo
na Zona do Cuanza, baixado de 2,96% em 1927 para 0,14%
em 1934 [32: 59-64]. Outro exemplo que permite avaliar o
trabalho realizado refere-se a 1928: foram realizadas 950.000
consultas e tratamentos (em 1927, 372.780), visitadas 4.588
sanzalas (em 1927, 1.029), administradas 1.245.721 injeções
preventivas de Atoxyl (em 1927, 372.780) e 207.723 vacinas
antivariólicas (em 1927, 80.307) [12: 141].
Por seu turno Damas Mora afirmará no prefácio da tese de Bru-
no de Mesquita que, entre 1927 e 1934, apesar da investida con-
tra a AMI no tempo de Filomeno da Câmara, a mortalidade na
população recenseada (400.000, 1/6 da população de Angola)
desceu 50%, a natalidade triplicou e a proporção de doentes do
sono baixou de 20% para menos de 1% [8: 26]. Estes números
são considerados por alguns investigadores [40] como provavel-
mente otimistas, procurando, assim, junto do Governo Central
a manutenção do apoio aos planos de saúde para África.
É facto que as estatísticas, desde o princípio estimuladas por Da-
mas Mora, eram feitas em difíceis condições [41] – extensão
do território, dispersão dos povoados, incultura das populações,
fuga aos impostos, desconfiança em relação à medicina euro-
peia, migrações transfronteiriças frequentes e não controladas –
podendo traduzir erros na metodologia da recolha de dados e na
interpretação dos mesmos, mas, isso, numa visão de conjunto,
não altera o valor da obra realizada.
O insuspeito e austero Ayres Kopke, com quem Damas Mora
tinha uma relação tensa, em grande parte devido ao facto de,
este, fazer uma gestão dos problemas de saúde coloniais de for-
ma completamente autónoma em relação à Escola de Medicina
12 - Da missão fazia parte, integrado no mesmo grupo dos portugueses, o médico
francês Louis Ferdinand Destouches, mais tarde um polémico escritor sob o pseu-
dónimo de Louis Céline.
13 - Ferreira,Vicente (1874-1953) foi ministro das Finanças e das Colónias e pro-
fessor do Instituto SuperiorTécnico de Lisboa.
14 - A partir dos anos 50, mantendo as medidas já consagradas e com o uso de um
novo medicamento, mais eficaz, a pentamidina, a doença do sono ficou limitada à
área do Libolo (informação pessoal do médico Alcides de Carvalho, então (1975)
colocado no Quadro Administrativo de Angola). Quando da guerra civil que se
seguiu à independência, a doença recrudesceu, voltando aos índices iniciais.