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de estudo para avaliar as condições sanitárias e higiénicas das po-
pulações das colónias inglesas e francesas da região subsaariana
da África Ocidental.
Constituem-na 12 médicos de diversos países, sendo Portugal
representado por Damas Mora e João Ornelas, nomeados por
Ricardo Jorge. Partindo em pequenos grupos de Dakar, no Se-
negal, percorrem, em duríssimas condições, durante 2 meses,
aqueles territórios, tendo a missão terminado em 17 de Maio
na cidade de Freetown (Serra Leoa) onde se reuniram numa
conferência durante 2 dias
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.
Nessa conferência reconhece-se que as colónias africanas só
podem progredir se as populações forem saudáveis e o balanço
demográfico positivo. Para isso os serviços de saúde daquela re-
gião estavam organizados no sentido de se combaterem as ende-
mias e de diminuir a mortalidade infantil para o que se tinham
construído hospitais, maternidades e dispensários. Também se
haviam tomado medidas para promover a autossuficiência ali-
mentar das populações.
A proposta de Damas Mora para que fosse criado um
bureau
permanente que permitisse uma “osmose (científica) perpétua
entre todas as colónias da região”, foi, no contexto de um com-
plexo jogo de rivalidades e nacionalismos, recusado por ingleses
e franceses [29: 145].
Quando regressa a Lisboa faz uma conferência sobre o
tour
na
Sociedade de Geografia de Lisboa, e, passado algum tempo, é
convidado pelo novoAlto Comissário para Angola, o engenhei-
ro militarVicente Ferreira
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, para dirigir, novamente, os Servi-
ços de Saúde daquela província, convite que foi aceite, embar-
cando ambos no dia 1 de setembro de 1926. Estabelece-se entre
os dois uma parceria frutuosa. Damas Mora dirá “sob a égide
daquele grande estadista foi-me dado pôr emmovimento a nova
organização daAssistência Médica aos Indígenas” [8: 20].
Na sequência dos ataques internacionais à nossa política ultra-
marina o governo central vai dotar o orçamento deAngola com
7.000 contos destinados especificamente àAMI.
É então criado o Fundo de Assistência aos Indígenas (Diploma
Legislativo nº 452 de 20 de novembro de 1926) destinado espe-
cialmente ao combate à doença do sono e aos serviços de assis-
tência médica e profilática à população africana [30].
Este Fundo passava a ser gerido por uma Comissão de Assis-
tência Indígena, presidida pelo próprio Alto Comissário, com
grande autonomia
financeira.AsZonas Sanitárias passaram a ser
dotadas com laboratórios, permitindo assim fazer diagnósticos
rigorosos e investigação científica publicada depois no
Boletim da
Assistência Médica aos Indígenas e da Luta Contra a Doença do Sono
[30: 103].
A AMI alarga o seu campo de ação a outras doenças tropicais
estendendo-se, também, aos campos administrativo, moral e
religioso, sendo este, entregue aos missionários.
É a AMI Integral, uma conceção portuguesa, que o dire-
tor dos Serviços de Saúde do Congo Belga, Giovanni Trolli
(1876-1942), adaptará a este território criando a FORÉAMI
(Fonds Reine Elisabeth pour l’Assistance Médicale aux Indi-
gènes) [29: 153].
Com todo este sistema em movimento o número de doentes
com doença do sono baixou radicalmente, a ponto de Damas
Mora poder afirmar que agora a luta tinha de se virar contra o
balanço demográfico negativo e a alta mortalidade infantil
14
.
Seguidamente é publicado o Diploma nº 463 com o qual se pro-
cedia à divisão das regiões com maior incidência da doença em
4 ZonasTerritoriais, o Congo-Zaire, Cuanza, Lunda e Benguela
(fig. 3), subdivididas em setores e estes em postos sanitários que
englobavam os locais de observação (centros de convocação)
aonde as populações convergiam, obrigatoriamente, 1 ou 2 ve-
zes por mês, para observação e tratamento.
Era então que se procedia à vacinação antivariólica e à atoxyli-
zação em massa. Esta consistia na administração de Atoxyl aos
doentes e aos portadores de adenopatias e, em zonas altamente
endémicas, agora com fim profilático, a todos os que se apre-
sentavam [31].
As zonas e setores tinham como diretor um médico, os postos
sanitários estavam sob a responsabilidade de um
enfermeiro.Aomesmo tempo eram criadas as MissõesVolantes que alargavam
a cobertura sanitária aos locais mais recônditos das matas tropi-
cais. Era intenção estender este programa a todo o território, o
que nunca foi conseguido [32].
Toda esta legislação fora concebida nos mandatos de Norton
de Matos, mas a sua aplicação prática só ocorre no tempo de
Vicente Ferreira. Damas Mora acusa-se a si mesmo de “não ter
visto logo de entrada (1921) o problema da assistência médica
ao indígena, como o vi mais tarde, em 1926” [8: 18].
Foi neste período que proliferaram as
“sanzalas-enfermarias”
,
e
que, no âmbito da AMI,
se construíram as
“aldeias-modelares”
,
em locais previamente escolhidos pela sua salubridade, onde se
erguiam casas do mesmo modelo das tradicionais cubatas, mas,
agora, com materiais duradouros e segundo um critério higié-
nico (luz, circulação de ar, cubicagem). O aldeamento era per-
corrido por ruas largas e a cada casa era atribuído um hectare de
terreno.Ascasas eram entregues a casais jovens, saudáveis, que
tinham de observar a monogamia, tendo o homem a garantia
de não ser mobilizado para o exército, nem “contratado” para
trabalhos rurais. Em contrapartida obrigavam-se ao cultivo da
terra que lhes tinha sido doada [33].
Segundo Damas Mora, “em higiene social, a “aldeia modelar”
desempenha o papel que, em assistência terapêutica, é preen-
chido pela “sanzala-enfermaria” (tradução do inglês) [20: 8].
Por trás deste conceito de “aldeia-modelar” estava a profunda
convicção de Damas Mora de que o grande problema de An-
gola era o seu baixo índice demográfico (cerca de 3 hab./km
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)
devido às doenças endémicas, à falta de preceitos higiénicos, à
promiscuidade e à subnutrição.
A implantação destas aldeias, por razões administrativas ou téc-
nicas, não foi fácil, e o seu número foi restrito [20: 8].
São então destacadas brigadas sanitárias, chefiadas por verda-
deiros médicos bandeirantes, para as várias zonas do norte de
Angola atingidas pela doença do sono, distinguindo-se pela sua
tenacidade, Alfredo Gomes da Costa, no Cuanza-Norte, e Ve-
nâncio da Silva emMalanje [33].
Doenças, agentes patogénicos, atores, instituições e visões da medicina tropical