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A n a i s d o I HM T

(1919),Vital Brazil tornou-se um gestor e empreendedor e foi

além. Agregou novos e diferentes profissionais às instituições,

estabeleceu procedimentos de divulgação científica e popular

do conhecimento gerado pelas pesquisas, criou vínculos traba-

lhistas com os seus funcionários.Doou para o governo brasileiro

a patente do soro anti-ofídico (1917). Poucos são os nomes da

ciência a acrescentar, além das primeiras já citadas, as caracterís-

ticas de multi e interdisciplinaridade, empreendedorismo, ino-

vação, desprendimento e senso de responsabilidade social.

Em todos os desafios enfrentados, contra todos os argumentos

contrários, Vital Brazil persistiu na sua busca. Formou-se mé-

dico (1891), clinicou (1892-1897) e pesquisou (1897, 1988,

1901), vencendo o medo das serpentes e contra-argumentando

com os maiores nomes da ciência da época sobre a especifici-

dade do soro anti-ofídico. Ao demonstrar essa especificidade,

demonstrou também, pela primeira vez, um dos principais

conceitos básicos em imunologia: o princípio da especificidade

antigénica, assinalando a necessidade de se obter antissoros con-

tendo anticorpos diferentes para neutralizar toxinas originárias

de serpentes de géneros distintos [5].

Vital Brazil criou, co-fundou e colaborou com diversas revistas

científicas como a Revista Médica de São Paulo e escreveu dois

livros:“A defesa contra oOphidismo” em1911, e “Memória his-

tórica do Instituto Butantan” em 1941, assim como publicou de-

zenas de artigos científicos, em diferentes línguas e periódicos.

Deixou também dezenas de manuscritos, alguns inéditos, e inú-

meras correspondências que constituem a maior parte do acer-

vo da Casa deVital Brazil, instituição que o representa [1].

Vital Brazil e OttoWucherer

Enquanto Vital Brazil ficou conhecido como precursor da to-

xinologia nas Américas, pela descoberta da especificidade dos

soros antiofídicos [6] e fundação das duas instituições, outro mé-

dico e cientista esteve empenhado na solução das doenças e epi-

demias que grassavam no Brasil no século XIX: o médico luso-

-germânico Otto Edward HeinrichWucherer (1820-1873).

Conhecido como o precursor da helmintologia brasileira e

por ter sido um dos fundadores da Escola Tropicalista Bahiana

(1865),Wucherer foi líder de um grupo de médicos que es-

creveu um dos mais determinantes capítulos da História da

Medicina Experimental no Brasil em meados do século XIX,

em Salvador, província da Bahia, Brasil. Entre estes, esteve mais

próximo do escocês John Ligertwood Paterson (1820-1882) e

do português José Francisco da Silva Lima (1826-1910). Juntos,

se tornaram pioneiros no estudo de diversas áreas do conheci-

mento médico-científico e na aplicação de métodos de trata-

mento inovadores no país, sobretudo, no âmbito das moléstias

tropicais [7, 8].

O que a maioria das pessoas desconhece, inclusive no âmbito

científico, é que OttoWucherer foi o autor das primeiras pes-

quisas que relacionaram a zoologia, a clínica e a terapêutica dos

acidentes por cobras no Brasil. Foi, de facto, o primeiro her-

petólogo a atuar no país. Durante 11 anos, de 1860 a 1871,

coletou, identificou e descreveu novas espécies da fauna brasi-

leira, particularmente as serpentes. Em função de sua prática

clínica e interesse pela história natural,Wucherer foi o primeiro

a registrar o ofidismo no país, descreveu sistematicamente as

características das serpentes e algumas das decorrências pato-

lógicas de suas picadas, bem como refletiu sobre a eficácia dos

tratamentos existentes [9]. Estes estudos foram registrados

algumas décadas antes da descoberta do então chamado soro

antiveneno em 1894, feita pelos médicos franceses,Auguste C.

Phisalix (1852-1906) e Gabriel Bertrand (1867-1962), eAlbert

Calmette (1863-1933), respectivamente, e da descoberta de

sua especificidade pelo cientista brasileiroVital Brazil.

Wucherer e Vital Brazil viveram em períodos e locais diferen-

tes, o que provavelmente colaborou para certo esquecimento

de Wucherer por parte da produção historiográfica brasileira

que trata do assunto. No entanto,Vital Brazil jamais deixou de

reverenciá-lo. Em grande parte de seus trabalhos há referências

a este médico luso-germânico que, certamente, lhe serviu de

exemplo e de inspiração.A influência deWucherer nas pesquisas

de Vital Brazil se observa nas citações feitas pelo cientista em

diversos artigos publicados, inclusive em sua clássica obra “A

Defesa contra o Ophidismo”, publicado em 1911 [6]. Em 1867,

Wucherer publicou na Gazeta Médica da Bahia, que ajudou a

fundar, estudos pioneiros na área do ofidismo,“Sobre o modo de

conhecer as cobras venenosas do Brasil” e “Sobre a mordedura

das cobras venenosas e o seu tratamento” [10, 11].

Ao se observar as biografias destes dois cientistas, saltam aos

olhos algumas similaridades em suas trajetórias.Wucherer e

Vital Brazil eram médicos dedicados à população, apaixona-

dos pela ciência e pela natureza, com interesses e curiosidades

particulares pelas serpentes; tiveram que enfrentar grandes

dificuldades para cursar medicina; seus estudos foram questio-

nados e negados por aqueles que detinham o suposto domínio

do conhecimento médico-científico; suas pesquisas e traba-

lhos construíram novos paradigmas para o tratamento e para a

solução de parte do sofrimento humano, principalmente, no

que diz respeito ao ofidismo; formaram grupos e fundaram es-

paços institucionais; criaram novas formas e metodologias de

produção do saber – o laboratório, além do leito, do paciente

e do estetoscópio – e ainda, como livres pensadores, pioneira-

mente, inovaram na difusão e validação da produção científica,

sobretudo, com a conceção de publicações que proporciona-

ram o registro de suas ideias e de seus colegas, foram em in-

tenção e na prática grandes divulgadores científicos.Wucherer

eVital Brazil foram também naturalistas e formaram coleções

científicas de serpentes referenciais, as quais, lamentavelmen-

te, foram aniquiladas por grandes incêndios.A coleção deWu-

cherer foi destruída pelo fogo que consumiu o Gabinete de

História Natural da Faculdade de Medicina da Bahia, em 1905,

1 - atualYersinia pestis (Lehmann & Neumann, 1896).