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a introdução da soroterapia no tratamento de acidentes ofídicos,
principalmente a dois cientistas: Albert Calmette eVital Brazil
[3]. As primeiras abordagens sobre o envenenamento ofídico e
seu tratamento no Brasil datam do final do século XIX, mais
precisamente a partir de 1877 [17], através das publicações do
médico brasileiro João Baptista Lacerda (1846-1915) que pro-
punha o permanganato de potássio como antídoto para os ve-
nenos ofídicos [18], porém em uma ação puramente química e
sem resultados efetivos.A ideia de uma substância que exerces-
se uma ação fisiológica antagónica ao veneno aparece em 1889,
em abordagem de Sebastião Mascarenhas Barroso [19]. Apenas
em 1894 a contribuição dos pesquisadores franceses Phisalix e
Bertrand deu o incentivo principal para Calmette estabelecer o
conceito básico da soroterapia anti-veneno, o que por sua vez,
incentivou a Vital Brazil a dar continuidade aos experimentos
que culminaram na descoberta da especificidade do soro anti-
-ofídico.
Em que pese as melhorias tecnológicas nos processos de pro-
dução, bem como nas exigências de controle de qualidade (quí-
micos, físicos, físico-químicos, biológicos e microbiológicos)
com o desenvolvimento de novos protocolos de segurança e
eficácia no seu uso, a produção dos soros antiofídicos perma-
nece a mesma nestes 120 anos de existência.Atualmente, com
algumas diferenças nos processos de obtenção de plasma (cava-
los, lhamas, camelos, etc.), nas fases de produção onde se usa a
digestão enzimática e fracionamento por sulfato de amónia ou
por ácido caprílico e na forma de apresentação do produto final,
liofilizada ou líquida. Na essência, o mesmo medicamento com
a mesma ação farmacológica, neutraliza no organismo as toxinas
circulantes inoculadas por animais peçonhentos. No Brasil, toda
a produção de soros em instituições públicas, para uso humano,
têm capacidade de atender 100% da demanda do Ministério da
Saúde.O atendimento aos acidentados por animais peçonhentos
é realizado pelo Sistema Único de Saúde-SUS, que disponibiliza
o tratamento para todos, em todo território nacional, gratuita-
mente. Para o futuro não é possível vislumbrar, em curto prazo,
o surgimento de novo medicamento que possa substituir essa
secular terapia, com a mesma eficácia e
segurança.Hánovas tec-
nologias surgindo que propõem a produção de aptâmeros (soro
sintético) ou a produção de anticorpos monoclonais, os quais
poderão ter alguma ação neutralizante para venenos nativos ou
suas frações. Porém, são propostas ainda em fase de prova de
conceito, para as quais estima-se de 15 a 20 anos para estarem
disponibilizadas para uso terapêutico em pacientes humanos.
Agradecimentos
Os autores agradecem às doutoras Zulmira Hartz, subdirectora
do Instituto de Higiene e MedicinaTropical, Universidade Nova
de Lisboa e IsabelAmaral, professora da Faculdade de Ciências e
Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa pelo convite para par-
ticipar do 2nd Luso Brazilian Meeting on the History ofTropical
Medicine (14 a 16 de outubro de 2015, Lisboa, Portugal) e pela
oportunidade de publicar este artigo nosAnais do IHMT.
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3 -Texto traduzido para o português e publicado em “O Jornal” de 24 de novembro
de 1928.
Doenças, agentes patogénicos, atores, instituições e visões da medicina tropical