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Introdução
Quando, em 1921, o Gene-
ral Norton de Matos
1
tomou
posse do lugar de Alto-Co-
missário do Governo da Re-
pública em Angola, uma das
suas primeiras medidas foi
chamar António Damas Mora
(1879-1949) para chefiar os
Serviços de Saúde
2
(fig. 1).
Nas palavras de Ricardo Cas-
tro, “em 1921, juntaram-
-se duas personalidades com
ideias claras sobre qual de-
veria ser a missão do serviço
de saúde naquela colónia: o
Alto Comissário Norton de
Matos, que, nessa condição,
convidou Damas Mora para
chefiar a Repartição de Saúde
e Higiene de Angola” [1:97].
Até finais do século XIX o
combate às doenças tropi-
cais nas, então, províncias
ultramarinas
3
, por parte de
Portugal tinha constado de
algumas medidas desconexas
e esforços individuais, mas a
Conferência de Berlim (1884-1885), convocada pelo chan-
celer alemão Bismarck, inicialmente para definir fronteiras
na bacia do Zaire (Angola), viria a exigir a ocupação militar
e civil dos territórios africanos por parte das potências euro-
peias que se reclamavam suas possessoras, ao mesmo tempo
que condenava a escravatura e proibia a venda de armas e
de bebidas alcoólicas de elevado grau aos africanos. Aquelas
nações seriam responsabilizadas pela melhoria do nível de
vida destes povos, sob pena de lhes ser retirado o direito de
soberania [2: 394-399].
As nações europeias, particularmente a Inglaterra e aAlema-
nha, acusavam-nos de nada fazermos para combater as doen-
ças tropicais, e o próprio Rudolph Virchow (1821-1902), o
grande patologista alemão, simultaneamente deputado no
parlamento germânico, afirmava neste areópago que os por-
tugueses “nem cientificamente tinham direito à posse de tão
grandes domínios coloniais, porque nada produziram sobre
pathologia, geografia médica, climatologia, etc.” [3].
É na sequência destes acontecimentos que, em 1902, é fun-
dada a Escola de Medicina Tropical de Lisboa (EMTL), de
cujo regulamento constava o envio de missões científicas aos
territórios ultramarinos [4].
Damas Mora, na sua qualidade de médico militar, é colocado
como delegado de saúde na Ilha do Príncipe em 1903, ten-
do feito parte da 2ª Missão (1907-1909) enviada a esta ilha,
chefiada por Correia Men-
des, professor da EMTL e
diretor do Laboratório de
Bacteriologia de Luanda,
juntamente com Silva Mon-
teiro e Bernardo Bruto da
Costa [5].
A doença do sono, importa-
da deAngola para o Príncipe
por via marítima no último
quartel do século XIX, dizi-
mava, aqui, as populações.
Os navios que transporta-
vam os trabalhadores para
as roças de cacau – alguns
portadores da doença - trou-
xeram também as moscas
tsé-tsé,
Glossina palpalis,
até
então inexistentes naque-
le território. O combate à
doença – cuja tática iria ser
reproduzida anos mais tarde
em Angola – assentava em
manter várias frentes: des-
truição do
habitat
das moscas
tsé-tsé, vetores da moléstia,
por desmatação, desarbori-
zação, secagem de pântanos,
etc., captura das moscas, por
intermédio de coletes, contendo visco, envergados pelos tra-
balhadores (método de Maldonado)
4
, isolamento dos doen-
tes, abate de mamíferos portadores do agente da doença, o
Tripanosoma gambiense, e administração maciça de Atoxyl,
um arsenical injetável, de cuja aplicação ao ser humano Ayres
Kopke (1866-1947), professor da EMTL, fora pioneiro a nível
mundial em 1906 [6].
Esta 2ª Missão - em que foram feitas milhares de observa-
ções microscópicas e de tratamentos, não se tendo, apesar
disso, conseguido eliminar a doença - teve o mérito de abrir
as portas à 3ª Missão (1911-1914), chefiada por Bernardo
Bruto da Costa, outro médico militar, no final da qual as
glossinas tinham sido exterminadas, do que resultou o de-
saparecimento da doença [7: 129]. Foi a primeira região do
mundo em que a doença foi erradicada, o que se deve ao
facto de a ilha ser um território confinado.
Entretanto, em 1912, Norton de Matos tinha sido nomeado
Governador-Geral de Angola, cargo que ocupou até 1915.
É neste período que publica a Portaria Provincial nº 406, de
27.3.1914 que estabelece os princípios da Assistência Médi-
ca aos Indígenas (AMI), entre eles, os cuidados preventivos
à mulher grávida e à criança, as visitas periódicas às sanzalas
(aldeias), a vacinação em larga escala, a profilaxia das doen-
ças contagiosas, particularmente a doença do sono, a criação
de maternidades e outros.
António Damas Mora 1 (1879-1949)
Doenças, agentes patogénicos, atores, instituições e visões da medicina tropical