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A n a i s d o I HM T

as acusações internacionais de que em Angola se praticava

“uma escravatura laboral” [17,18]. Logo após o congresso,

emAgosto, deu-se início à aplicação no terreno das suas con-

clusões.

Carlos d’Almeida, um colaborador de Froilano de Melo,

que, tal como este, tinha vindo da Escola Médica de Nova-

-Goa, é enviado em missão sanitária para o norte de Ango-

la (Congo e Zaire) onde permanecerá três anos.Tendo sido

programada para o combate à doença do sono, estendeu-se

depois a outras endemias, tais como boubas

9

, paludismo, va-

ríola (contra a qual se procedeu a uma vacinação maciça) e

bilharziose.

10

As três grandes medidas utilizadas foram: o afastamento pro-

gressivo das populações das matas, o isolamento dos doen-

tes crónicos e a esterilização pelo Atoxyl. Almeida chegava

a ver 360 doentes por dia, e se, inicialmente, a incidência

da doença atingia 12%, no final, “dificilmente se encontrava

um doente que me desse, para estudo de terapêutica expe-

rimental, tripanozomas (sic) no sangue periférico”

[16: 35].

Em 1928, em carta ao governador do Distrito do Congo,

informava-o de que não existia na região qualquer caso de

hipnose (nota: o mesmo que doença do sono) [16: 144].

Carlos d’Almeida, um homem generoso, que se empenhara

na luta contra as doenças, podia afirmar: “e assim passei anos

naquela perfeita embriaguez de fazer bem” [16: 26]. Como

forma de lhe agradecer o que fizera pelo seu povo, o Rei do

Congo, proclamou-o Príncipe, título que muito o orgulhava

[16: 26].

No final da sua missão, Almeida tinha observado 30.509

doentes distribuídos nas seguintes percentagens: doença

do sono, 61,887%, paludismo, 3,530%, boubas, 2,197%,

bilharziose, 0,170%, amibianas, 0,386% e outras doenças,

31,830% [16: 41].

Pela mesma época, e durante um ano utilizando, apenas, a

“atoxylização” maciça, Frederico Rebêlo, colocado no Zaire,

conseguia, praticamente, eliminar a doença do sono [19].

Como as populações locais recusavam internamento em

hospitais distantes de tipo europeu, foram construídas, neste

período, várias “Sanzalas-enfermarias” (fig. 2)

na proximi-

dade dos aldeamentos, em que os doentes ficavam alojados

em cubatas (pequenas casas com telhado de colmo), sendo

alimentados pela família. No final dos anos 20 havia dezenas

de sanzalas-enfermarias em todo o território de Angola, em

especial nas zonas já abrangidas pela AMI [20: 8].

Um dos aspetos principais da política de Norton de Matos

foi, como vimos, a assistência ao indígena, para o que tomou

várias medidas, como o reconhecimento dos seus direitos

laborais, o combate ao esclavagismo, e, no respeitante à saú-

de, a criação da AMI, pela qual Damas Mora se responsabi-

lizou.

Norton, “um nacionalista inveterado” [2: 462], um republi-

cano, considerava que Angola era portuguesa, e, para a de-

fender da cobiça dos ingleses e alemães, pôs em prática um

ambicioso plano de fomento, para a execução do qual lançou

mão de empréstimos feitos pela Bolsa estrangeira, numa es-

tratégia de “crescimento pelo défice” [2: 467].

Cercado, por um lado, por um grupo influente de colonos

que se sentiam ameaçados com a política indígena do Alto

Comissário, e, por outro, pelos grandes financeiros metro-

politanos, que o acusavam de despesista, Norton de Matos

vê-se confrontado com a demissão que lhe foi imposta pelo

governo central, sendo, no entanto, nomeado embaixador

de Portugal em Londres

11

. Sem o apoio do general, e alvo de

uma campanha contra si lançada pelo diretor de

A Província

de Angola

, Adolfo Pina, que o acusava de não ter tomado as

medidas necessárias para o controle de um novo surto de

peste bubónica, Damas Mora é exonerado, a seu pedido, das

funções que até então exercera emAngola [21, 22, 23].

Em fevereiro de 1924 regressa a Lisboa onde, numa espécie

de férias sabáticas, lhe são concedidos longos meses para a

redação das atas do congresso, publicados em 5 volumes com

um total de cerca de 2.900 páginas [17].

O ano 1925 foi um

annus horribilis

para a medicina tropical

portuguesa. Ayres Kopke, num congresso internacional em

Londres denegriu a ação dos nossos médicos coloniais [24],

o que Damas Mora jamais lhe perdoaria, e na Sociedade das

Nações o sociólogo americano Edward Ross publicou um

relatório com grande repercussão internacional (o

“Relatório

Ross”

), em que acusava as autoridades portuguesas de mante-

rem situações de escravatura [2: 478].

Na sequência deste relatório, mais uma vez, o governo por-

tuguês teme pela sua soberania sobre os territórios africanos

e aumenta com prodigalidade os respetivos orçamentos, o

que, como veremos, vai beneficiar o próximo Alto Comis-

sário emAngola.

Em 1926 vai dar-se um acontecimento que vai marcar o pen-

samento e a ação de Damas Mora. É o que ficou conhecido

como o

tour

de Dakar [25, 26, 27, 28]. A Sociedade das Na-

ções com o apoio da Fundação Rockefeller cria uma missão

6 -Tal como o seu mestre Ricardo Jorge, Damas Mora era um higienista e tinha da

Medicina uma visão social. Em1928, afirmava: “…o fim dos Serviços de Saúde do

Estado é cuidar dos sãos. O papel que pertence ao Estado é o da higiene social ou

preventiva visando conservar em pleno rendimento a população ativa e produtora.”

(Boletim de Assistência Médica aos Indígenas e Luta Contra a Moléstia do Sono,

1925, vol. II, 9 , 88) e em carta ao Ministro das Colónias, Armindo Monteiro:

“tenho pregado e insistido em que é indispensável orientar o serviço para a Higiene

Social, a única que interessa ao Estado porque tende a manter em plena atividade a

sua população produtiva” (Processo individual da AHU).

7 -A doença do sono era uma calamidade que Assunção Velho, um médico militar

cuja ação decorrera na década anterior, descrevia do seguinte modo: “as margens

do Quanza e as do Lucala, para não citar senão estes dois rios, eram outrora densa-

mente povoadas; a doença do sono tudo reduziu a melancólicas necrópoles”.Velho

A. (1921).ATripanossomose humana emAngola. Revista Médica de Angola, 2:14.

8 -A figura mais notável era o professor de Parasitologia da Faculdade de Medici-

na de Paris, Émile Brumpt (1877-1951), considerado a maior autoridade mundial

nesta matéria. Dos portugueses, participaram, entre outros, Ayres Kopke, Carlos

França e Froilano de Melo.

9 - Uma doença provocada pela bactéria

Spirochaeta pertenuis

, da família das Espiro-

quetáceas, a que pertence também o agente da sífilis.

10 - Doença provocada pelo parasita Schistosoma haematobium, que se manifesta,

muitas vezes, por hematúria.

11 - Um dos seus principais opositores, o engenheiro militar, jornalista e político

Francisco da Cunha Leal (1888-1970) escreveu um livro, em que atacava violen-

tamente o general, intitulado “Calígula em Angola”.Veja-se, também, José Norton

(2016). Norton de Matos – Biografia. D. Quixote, Lisboa, 326-350.