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A n a i s d o I HM T
Mas nada foi possível concretizar. Como Damas Mora
virá a afirmar: “a concepção do general caiu em ter-
reno sáfaro. – Nem administradores nem médicos lhe
compreenderam o alcance” [8]. Seria a Damas Mora
que iria caber a aplicação no terreno daquele ambicio-
so programa, embora escrevesse em relação à AMI:
“não fui mais do que o poeta, o panegirista teimoso
das suas vantagens e da sua indispensabilidade” [8: 13].
Os dois homens, Norton de Matos e Damas Mora,
não se conheciam, pois, este, entre 1914 e 1919 fora
Diretor dos Serviços de Saúde de Timor, onde ins-
tituíra, com os quatro médicos existentes em Díli,
brigadas volantes para o interior da ilha, e, para além
disso, estabelecera normas profiláticas para as doen-
ças mais comuns (lepra, doenças venéreas, paludis-
mo, béri-béri, tuberculose, úlceras de perna), desco-
brira e desenvolvera asTermas do Marôbo, ainda hoje
existentes, e fundara o Boletim Sanitário de Timor
[9]. Em 1919 regressa à Metrópole numa viagem
com a duração de 110 dias (!), tendo em Sidney vi-
sitado várias instituições hospitalares modernas [10].
Um ano depois é nomeado diretor interino da Dire-
ção de Saúde do Ministério das Colónias [11] onde
elabora um programa de ação para as províncias ul-
tramarinas, oficializado com a chancela do Ministro
Ferreira da Rocha, que abrangia os seguintes pontos:
promover estágios para médicos coloniais na metró-
pole e no estrangeiro (Dec. nº 6998, de 4.10.1920);
facilitar aos médicos coloniais a aquisição de labo-
ratórios portáteis (Dec. nº 6999, de 4.10.1920),
reorganizar a Escola de Medicina Tropical, alargando o seu
quadro e permitindo-lhe receber fundos provenientes dos
municípios das colónias (Dec. nº 7096, de 6.10.1920) e, por
fim, organizar congressos trienais para os médicos coloniais
e publicar uma revista dedicada à Medicina Tropical. Angola
vai ser o terreno propício para aplicar estes princípios fun-
damentais.
A experiência na resolução de problemas da MedicinaTropical
e no desempenho de lugares de chefia, terão sido as razões que
levaramNorton de Matos a requisitá-lo e a nomeá-lo Chefe da
Repartição Superior de Saúde e Higiene de Angola.
O maior problema de Angola era o baixo índice demográfi-
co, não se ultrapassando a densidade populacional de 3 hab/
km
2
. Por isso elegeu como objetivo principal “a conservação
e a multiplicação da raça negra” [12: 140], para o que era
necessário aplicar os princípios enunciados por Norton de
Matos, em especial o combate à doença do sono, cruzada
que vai abraçar e executar com vontade férrea.
Tendo desembarcado em Luanda em 16 de Abril de 1921
deparou-se com uma grave epidemia de peste bubónica,
que, ainda que em defervescência, trazia a população em
pânico, população à qual, uma semana depois, se dirige em
artigo na imprensa local tranquilizando os ânimos [13].Toma
as medidas habituais de combate aos ratos, de higiene públi-
ca e de profilaxia (vacinação anti-pestosa) e, passado pouco
tempo, a epidemia estava controlada [14], embora voltasse a
manifestar-se em 1922.
Vai aqui revelar o seu cunho publicista que o acompanha-
rá durante toda a vida ativa, e que levará Samüel Coghe a
chamar-lhe “escritor prolífico”
5
. Em circular dirigida aos co-
legas e publicada na imprensa incita-os a colaborar consigo
no combate às epidemias e endemias de Angola: “assistimos
ao início da obra formidável que as circunstâncias mundiais
1 - José Mendes Ribeiro Norton de Matos (1867-1955), militar e político, foi Go-
vernador-Geral de Angola entre 1912 e 1915, sendo depois Ministro das Colónias
e da Guerra. Entre 1921 e 1924 foiAlto Comissário da República emAngola, tendo
em seguida ocupado o lugar de embaixador de Portugal em Londres. Em 1948 foi
candidato à Presidência da República, pela oposição ao Estado Novo.
2 - António Damas Mora foi licenciado pela Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa em
1901. Médico militar, dedicou toda a sua vida aos problemas sanitários e higiénicos
das antigas colónias portuguesas, tendo chefiado os Serviços de Saúde em S.Tomé
e Príncipe (1902-1910),Timor (1914-1919),Angola (1921-1934) e Macau (1934-
1936). Entre 1936 e 1939 foi diretor do Instituto de Medicina Tropical de Lisboa
(Processo individual do Arquivo Histórico Ultramarino – AHU).
3 - Este termo já era utilizado pelo Padre AntónioVieira no século XVII e foi man-
tido até ao advento da República, que adotou o termo colónia (Caetano, Marcelo
(1974). Depoimento, Distribuidora Record, Rio de Janeiro: 18.
4 - Esta técnica original fora concebida, em 1906, por Ângelo Bulhões Maldonado,
administrador da roça Sundy.
5 - Samüel Coghe, historiador belga que tem dedicado grande parte da sua inves-
tigação à História da Medicina Tropical em Angola – M.A. em História, Ciências
Políticas e Linguística na Universidade Humboldt e Universidade Livre de Berlim;
Doutor em História no Instituto Universitário Europeu (Florença); pós-douto-
rando no Instituto Max Planck de História da Ciência (Berlim); atualmente “post-
-doctoral research Fellow” na Universidade de Giessen.