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parasita americano, não servindo, portanto, como um sinal
diferencial de uma nova espécie de
Leishmania
[17]. Dessa
forma, do ponto de vista morfológico, Alphonse Laveran
continuava a afirmar que não via diferenças notáveis entre
essas espécies de patógenos. Mas argumentava que isso não
significava afirmar que eram idênticas, pois:
A Leishmania donovani tem os mesmo carateres morfológicos
que a L. tropical e, entretanto, há um acordo em reconhecer
que trata-se de duas espécies diferentes, porque as característi-
cas biológicas das duas espécies são bem diferentes, a primeira
dá origem ao calazar e a segunda ao botão do Oriente.É tam-
bém com base na ação patogénica do parasita, sobre os sinto-
mas e as lesões anatómicas que ele determina frequentemente
em particular ao lado das mucosas nasais, bucais e de faringe,
que propomos sr. Nattan-Larrier e eu, em fazer, não uma es-
pécie distinta, mais uma variedade da leishmania do botão
do Oriente, sob o nome de L. tropica var. americana [17].
Como podemos observar na citação acima, mais uma vez,
Alphonse Laveran se utilizou dos mesmos argumentos postos
para diferenciar a
L. donovani
da
L. tropica
, para defender tam-
bém a especificidade do protozoário encontrado na América
do Sul, e, mesmo não defendendo enfaticamente a criação de
uma nova espécie de
Leishmania
para abrigar a
Leishmania tro-
pica var. americana
, o presidente da
Société de Pathologie Exotique
defendia a particularização desse agente etiológico por consi-
derar se tratar, ao menos, de uma variação do agente causal do
botão do Oriente.Alem disso, continuava a reclamar para si e
para Nattan-Larrier o mérito de tê-la identificado.
Em seguida, nesse trabalho, Alphonse Laveran estabeleceu
um rápido debate com os trabalhos que foram produzidos
por GasparVianna no Brasil. Ao citar as conclusões do cien-
tista brasileiro no sentido de demonstrar as diferenças en-
contradas entre a
L. tropica
e a
L. braziliensis,
Laveran atém-se
ao filamento, qualificado por Vianna como sinal diferencial
desses parasitas, para desqualificar seus argumentos, afir-
mando que “o filamento assinalado porVianna parece corres-
ponder ao rizoplasto já observado por diferentes autores”.
E, por isso, a
L. braziliensis
não poderia ser considerada como
uma nova espécie de
Leishmania
como bem queria Gaspar
Vianna [17].
Entretanto, apesar de desqualificadas, as conclusões deVian-
na
não são simplesmente abandonadas para dar lugar àque-
las pretendidas pelo pesquisador francês. No ano seguinte
à publicação de Laveran, dois pesquisadores sul-americanos
escreveram novos artigos no
BSPE
, temporalmente próxi-
mos, que tinham por objetivo propor classificações para as
diferentes modalidades de leishmanioses conhecidas e, em
especial, as americanas. E, em um deles, proposto por um
pesquisador brasileiro, a
Leishmania braziliensis
estava presen-
te e ocupava um considerável espaço.
No primeiro artigo de 1916,
“Contribution à l’estude de la Leish-
maniose américaine (Laveran et Nattan-Larrier). Formes et variétés
cliniques”
, Edmundo Escomel deu continuidade ao seu interes-
se pela
espundia
e, dialogando com o estudo realizado por La-
veran, realizou uma classificação clínica das diferentes moda-
lidades de leishmanioses encontradas na região sul-americana,
subdividindo-as em manifestações cutâneas, mucosas e suas
respectivas variações. Nesse artigo, o autor peruano descre-
veu cada uma de suas formas clínicas, demarcando suas áreas
de prevalência e, assim como Laveran já havia feito, militou
no sentido de afirmar que, mesmo não sendo encontrados pa-
tógenos diferenciados, a leishmaniose americana deveria ser
considerada, ao menos, uma variação do botão do Oriente,
por suas diferentes manifestações mórbidas [18].
Os outros dois artigos publicados em 1916, no
BSPE
sobre
classificações de leishmanioses são de autoria de Alfredo Da
Matta (1870 – 1954), cientista baiano, residente emManaus,
no Amazonas, e também sócio corresponde da
Société de Pa-
thologie Exotique
. Na primeira ocasião, em
“Sur les leishmanio-
ses tégumentaires. Classification générale des leishmanioses”,
Da
Matta afirmou que as leishmanioses despertavam um grande
interesse científico devido ao polimorfismo de suas manifes-
tações patógenas. Por isso nesse trabalho se propôs a realizar
uma abrangente classificação, dividindo as manifestações de
leishmanioses conhecidas em cinco agentes etiológicos com
quatro quadros clínicos diferentes [19].
Destinando um importante espaço a
L. brasiliensis,
denomi-
nando o grupo de leishmanioses presentes na América do
Sul como tegumentares e ilustrando seu trabalho com fotos
das diferentes manifestações mórbidas dessas doenças
,
esse
pesquisador descreveu detalhadamente a evolução de suas
formas clínicas, atribuindo, a cada uma dessas, determinado
agente etiológico. De acordo com a classificação proposta
por Da Matta, além da
L. brasiliensis
, que poderia causar tanto
as modalidades cutâneas ulcerosas e não ulcerosas, quanto
as mucocutâneas, as outras formas de manifestações clínicas
dessa moléstia encontradas na América do Sul também po-
deriam ser ocasionadas pela
L. nilótica
e pela
L. furunculosa
.
Ainda de acordo com Da Matta,
a L. tropica var. americana,
proposta por Laveran & Nattan-Larrier (1912) era identi-
ficada apenas a
L. brasiliensis
em suas manifestações cutâneas
ulcerosas, popularmente conhecidos como
espunja
[19]
.
Devido às divergências das conclusões de Alfredo Da Matta
com os trabalhos por Alphonse Laveran, o editor deste pe-
riódico, e a proximidade temporal com que os artigos do
pesquisador brasileiro e o do peruano foram publicados com
objetivos semelhantes e diferentes conclusões, acredito que
seja interessante reproduzir, na íntegra, o parecer dado pelo
presidente dessa sociedade no final deste artigo:
Eu acredito que deveria lembrar,em ocasião do interessante tra-
balho do Sr. Dr. A. Da Matta, que nos recebemos este ano um
trabalho do nosso colega Sr. Dr. Escomel sobre a leishmaniose
americana,suas formas e variedade,que foi publicado no Bulle-
tin do 12 de abril de 1916.Este número do nosso Bulletin pro-
vável ainda não tinha chegado a Manaus (Amazonas) quando
Políticas e redes internacionais de saúde pública no século XX