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A n a i s d o I HM T
Sr. Dr. A. Da Matta redigiu seu trabalho sobre o mesmo tema,
isso explica porque ele não citou.
Sr.Dr.A.DaMatta designou a Leishmania do botão do Orien-
te sob o nome de Leishmania furunculosa Firth no lugar de L.
tropicaWright. É verdade, que em 1891, Frith descreveu sob o
nome de Sporozoa furunculosa um parasita do botão do Oriente,
mas a descrição desta Leishmania em questão nos pareceu muito
mal
informada.Aocontrário, com o trabalho deWright, toda a
hesitação desapareceu, é impossível ignorar o parasita da exce-
lente descrição e das fotografias que é apresentado sob o nome de
Helcosoma
tropicum.Euacredito,então,que esta é a razão para
que a maioria dos observadores denomine o parasita do botão do
Oriente com o nome de L.tropica [19].
Este artigo de Alfredo Da Matta é bastante significativo
do ponto de vista da trajetória de pesquisa sobre as mo-
dalidades americanas de leishmanioses e nos permite uma
multiplicidade de análises que, devido aos limites deste tra-
balho não serão exploradas à exaustão. Entretanto é pre-
ciso destacar que se até então a discussão se pautava pela
existência ou não de um patógeno americano, Da Matta
propôs a existência não de um, mas de três agentes patogé-
nicos próprios da região sul-americana e expôs fotografias
para designar cada um destes quadros clínicos. Ainda neste
mesmo ano, Da Matta publicou um novo e sucinto artigo,
fazendo referências ao trabalho de Escomel e, talvez para
não criar novos atritos com Laveran, suspendeu as corre-
lações entre quadro clínicos e agentes patogénicos em sua
segunda tabela classificatória [20].
No ano seguinte, em 1917, Alphonse Laveran lançou um li-
vro intitulado
“Leishmaniose. Kala-azar, Bouton d’Orient, Leish-
mania Americaina”
, do qual a epígrafe deste artigo foi retirada.
Nesta nova oportunidade, Laveran reproduziu, praticamen-
te, parágrafo por parágrafo o texto do seu artigo de 1915.
Contudo, realizou algumas alterações significativas que cha-
maram a atenção devido às suas relações com os trabalhos e
conclusões de Alfredo Da Matta no ano anterior.
Além de utilizar as fotografias do trabalho de Da Matta para
ilustrar os diferentes quadros clínicos das leishmanioses ame-
ricanas,Alphonse Laveran também adotou as nomenclaturas
propostas pelo pesquisador sul-americano para designá-las.
Ainda assim, a alteração mais significativa na maneira pela
qual esse pesquisador francês compreendia as leishmanioses
estava relacionada, neste livro, aos agentes patogénicos. Di-
ferente do artigo de 1915, ao propor a denominação
L. tropi-
ca var. americana
para designar o protozoário da América do
Sul, Laveran acrescentou o seguinte parágrafo:
Essa opinião não é unânime; alguns autores consideram a
Leishmania americana
como idêntica a
L. tropica
; outros de-
marcam uma espécie bem distinta, sob o nome de
L. brazi-
liensis
; outros ainda admitem que as leishmanioses da Amé-
rica podem ser causadas tanto pela
L. tropica
quanto pela
L.
braziliensis
[1]
.
Diferente do seu artigo, cujo Laveran postulava que as leish-
manioses encontradas no continente sul-americano eram
ocasionadas por um protozoário semelhante ou vizinho da
L.
tropica
, que denominou
L. tropica var. americana,
o presidente
da
SPE
, pela primeira vez, assumiu a possibilidade de que es-
sas manifestações americanas fossem ocasionadas tanto pela
L. tropica
quanto pela
L. braziliensis
. É interessante notar, que
foi somente a partir de 1916, com os trabalhos desenvolvi-
dos por Da Matta na região amazónica que a proposta do
pesquisador Gaspar Vianna (já falecido neste momento) ga-
nhou nova força e reconhecimento no debate internacional
sobre a construção de conhecimento sobre esse grupo de
moléstia.
Ainda assim, apesar de ter entrado com nova força, após
os trabalhos de Da Matta, no debate internacional sobre as
leishmanioses a proposição da existência da
L. braziliensis
,
ainda não havia sido validado pelos principais centros pro-
dutores de conhecimento científico neste momento. Estes
processos aceitação e validação da
L. braziliensis
, como uma
espécie de
Leishmania
americana, se deram ao longo das dé-
cadas de 1920 e 1930 em circunstâncias que ainda não me
parecem muito claras. Entretanto, como abordei no início
deste artigo, Gaspar Vianna é, atualmente, visto e cultuado
por grande parte dos pesquisadores interessados nas leish-
manioses como um grande sábio do passado, que, mesmo
em condições adversas, conseguiu distinguir completamente
e sem dúvidas a
L.braziliensis
da
L.tropica
, em um processo no
qual, sem a devida contextualização, suprimisse os erros e os
caminhos tortuosos para dar lugar à exaltação deste homem
à frente de seu tempo.
Considerações finais
Conforme observado acima, a construção de conhecimento
sobre as leishmanioses no início do século XX desempenhou
um significativo papel no processo de institucionalização da
medicina tropical, enquanto um campo de pesquisa autó-
nomo à microbiologia. Mobilizando médicos de diferentes
regiões geográficas e criando interseções de pesquisa, esse
grupo de doenças, envolto em uma longa controvérsia cien-
tífica, possibilitou uma ampla circulação de conhecimentos
entre pesquisadores da América do Sul e da Europa que se
empenhavam na tarefa de entender os motivos pelos quais
protozoários morfologicamente idênticos poderiam ocasio-
nar manifestações clínicas tão díspares entre si, nos termos,
práticas e protocolos da medicina tropical.
A referida controvérsia não se limitou apenas ao momento e
nem aos temas de pesquisa retratados neste artigo. Pelo con-
trário, na década de 1920, e nas subsequentes, as investiga-
ções sobre as leishmanioses continuaram a discutir assuntos
caros à sua compreensão, como os seus modos de transmis-
são, que ocupariam grande parte da agenda dos pesquisado-
res interessados no campo da medicina tropical.
Entretanto, ao destacar os temas e momentos de pesquisa aqui