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A n a i s d o I HM T
nacional em sua dimensão não apenas científica, mas também
económica, social e política.
A partir dessa perspetiva, o artigo recupera práticas e per-
sonagens anteriores aos acordos assinados entre a Fundação
Rockefeller com a então Faculdade de Medicina e Cirurgia
de São Paulo (FMCSP) para criação do Laboratório de Higie-
ne, depois Cadeira de Higiene, em seguida Departamento de
Higiene e em 1925 Instituto de Higiene.Argumenta também
que a atuação da Fundação Rockefeller na Faculdade de Me-
dicina assegurou a constituição de um circuito de produção
científica sistemática em torno da Parasitologia Médica, Mi-
crobiologia, Micologia Médica e Anatomia Patológica, cuja
visibilidade passou a antagonizar com as práticas anteriores
que eram desenvolvidas em São Paulo nos institutos públicos
de pesquisa criados entre o final do século XIX e início do
século XX, como o Bacteriológico, o Soroterápico, transfor-
mados depois, respetivamente, em Instituto Adolpho Lutz e
Instituto Butantan. Entre os espaços de produção de conheci-
mento biomédico em São Paulo, no período, figurava ainda o
Instituto Pasteur, instituído por particulares em 1903. A cria-
ção e trajetória inicial desse instituto em São Paulo colocam
em evidência a força que localmente assumia as tradições de
pesquisa oriundas da França, que se manifestavam pela ênfa-
se na produção de conhecimentos em microbiologia e adesão
aos princípios da chamada “revolução pastoriana”. De resto, a
presença francesa em São Paulo não se restringia apenas aos
círculos científicos, mas estendia-se a praticamente todas as
esferas de circulação das elites locais.
A figura de Celestino Bourroul emerge como uma das perso-
nagens relevantes para a análise desse circuito de trocas cien-
tíficas. Formado na Faculdade de Medicina da Bahia em 1904,
ali defendeu a tese Mosquitos do Brasil, que contou com a
orientação deAdolpho Lutz. Em razão de seu desempenho, foi
premiado com viagem de estudos para a Europa, onde perma-
neceu por cerca de dois anos, realizando estágios na Faculdade
de Medicina e no Instituto Pasteur de Montpellier, no Instituto
de Medicina Colonial na Faculdade de Medicina de Paris, em
Berlim e Viena. De volta a São Paulo, alternou suas práticas
entre o consultório e o laboratório que criou, tornando-se
mais tarde professor e membro do corpo clínico da Santa Casa
de Misericórdia. Ingressou como catedrático na Faculdade de
Medicina de São Paulo em 1914, onde permaneceu até sua
aposentadoria em 1950.
Assim como Bourroul, a própria Faculdade de Medicina mo-
veu-se inicialmente por fronteiras plurais, abrigando em seu
interior um conjunto diversificado de professores com sabe-
res, formações e procedências distintas. Nos primeiros anos
de sua implantação, a partir de 1913, conviveram na então
Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo (FMCSP) pro-
fessores estrangeiros provenientes da França, Áustria, Itália e
mais tarde, em decorrência dos acordos firmados com a Fun-
dação Rockefeller, pesquisadores canadenses e norte-america-
nos. Lecionaram tambémmédicos brasileiros formados na Ba-
hia, no Rio de Janeiro, emMontpellier, na Pensylvannia, assim
como assumiram funções docentes professores que haviam co-
meçado sua carreira nas escolas médicas brasileiras então exis-
tentes, como foi o caso de Óscar Freire, e Pedro Dias da Silva,
ambos procedentes da Bahia, e de Lauro Travassos, oriundo
do Rio de Janeiro. Entre os nomes mais citados de professores
com ligações externas estão António Carini, italiano, Emile
Brumpt, da Universidade de Paris, Lambert Mayer, da Fa-
culdade de Medicina de Nancy, Alfonso Bovero e Alexandre
Donati, ambos da Universidade de Turim,Walter Haberfeld,
da Áustria e LauroTravassos, oriundo do Rio de Janeiro, com
amplo círculo de relações académicas internacionais. Outros
professores brasileiros, igualmente citados com frequência são
Óscar Freire, médico baiano, professor da Faculdade de Medi-
cina da Bahia,Alexandrino Pedroso e Benedicto Montenegro,
que estudaram na Universidade da Pensilvânia.
A morte em 1920 de Arnaldo Vieira de Carvalho, diretor da
Faculdade de Medicina desde sua criação em 1912, abriu uma
grave crise institucional, com sucessivas nomeações para o
cargo ao longo dos anos subsequentes, inclusive de Celestino
Bourroul que permaneceu na função por poucos meses, entre
março e dezembro de 1922. Na década de 1940, quando as
condições institucionais estavammais estabilizadas, assumiram
a direção da Faculdade de Medicina as primeiras gerações de
ex-alunos titulados sob o modelo da Fundação Rockefeller.
Concebido como espaço de formação das elites médicas, o
modelo foi implantado a partir de 1926 e estava assentado no
tripé da limitação do número de vagas em cinquenta ingres-
santes por ano, ênfase na produção científica com a instituição
da dedicação exclusiva e do tempo integral para docentes das
disciplinas pré-clínicas e instalação do hospital escola, que se
tornaria mais tarde o Hospital das Clínicas, principal institui-
ção do género em São Paulo, estado e capital.
Ernesto de Souza Campos foi o primeiro ex-aluno e também
bolsista da Rockefeller a assumir a direção da Faculdade depois
da reforma promovida em 1925 com o objetivo de ajustar a
estrutura didático-pedagógica da escola aos preceitos da Fun-
dação. Souza Campos assumiu por um período muito curto,
permanecendo na direção entre final de outubro e meados
de dezembro de 1930. No final da década de 1930, quando
as relações institucionais se tornaram mais estáveis, assumiu
a direção Ludgero da Cunha Motta, outro bolsista. Nos anos
seguintes, as três gestões subsequentes foram igualmente as-
sumidas por professores que haviam sido
fellows
da Fundação,
no caso, Benedicto Montenegro, Renato Locchi e JaymeArco-
verde.Assim, entre 1938 e 1956, ou seja, por dezoito anos, a
direção da Faculdade de Medicina de São Paulo esteve a cargo
de personagens vinculados à Rockefeller.
Desse modo, pode-se argumentar que em tal contexto, quan-
do as principais posições de direção e liderança começaram a
ser ocupadas por ex-bolsistas, as relações de troca e intercâm-
bio científico tornaram-se mais homogéneas. Nas décadas de
1940, 1950 e subsequentes, países como França, Inglaterra,
Alemanha, e também Portugal, continuaram fornecendo re-
ferências académicas e científicas relevantes. Porém, quando