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resistir à tentação de atuar de acordo com

preferências de curto prazo, a entidade pública

deve sacrificar a sua discricionariedade nas

situações concretas e prender-se a uma restrição

institucional adequada, tal como Ulisses no poema

de Homero.

12

Tal restrição institucional poderá

passar por delegar o poder de decisão regulatória

num agente insuscetível às tentações de situações

específicas, criando assim um “compromisso

credível” que o vincula a si e aos seus sucessores

(Shepsle, 1991). Para tal, é fundamental que esse

agente possa atuar de forma diferente do que seria

a atuação do principal. Em suma, o regulador deve

agir não como escravo do governo, mas como

fiduciário dos seus interesses de longo prazo

(Majone, 2001).

Também em Portugal, o esquema de

regulamentação e supervisão do sistema de saúde

assenta num conjunto diverso de instituições, desde

a administração pública diretamente dependente do

governo (por exemplo, a Direção-Geral da Saúde

ou a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde),

passando pela administração indiretamente

dependente do governo (por exemplo, o

INFARMED – Autoridade Nacional do

Medicamento, ou o Instituto Nacional de

Emergência Médica), as ordens profissionais (que

efetuam autorregulação), as entidades públicas

independentes (a Entidade Reguladora da Saúde) e

os tribunais (por exemplo, o Tribunal de Contas).

Neste complexo sistema de regulação, a Entidade

Reguladora da Saúde é a instituição dedicada ao

setor da saúde cujo posicionamento melhor se

enquadra no de agente fiduciário dos interesses de

longo prazo do principal. Porém, se o grau de

independência formal relativamente ao governo e

às maiorias parlamentares é considerado uma

característica desejável das entidades reguladoras,

por outro lado, a teoria da agência também permite

concluir que esses agentes devem ser forçados a

prosseguir os tais interesses de longo prazo dos

seus principais (Pollack, 2003).

Confiar competências fortes sobre a organização

dos mercados a uma agência independente acarreta

riscos de desvio das decisões de curto prazo face ao

rumo estratégico de longo prazo, porque tais

agências podem prosseguir uma agenda de

interesses próprios diferente da pretendida pelo

mesmo Estado que lhe delegou o poder regulatório

(Kiewiet e McCubbins, 1991). Existe ainda o risco

5

Esta analogia como famoso episódio da “Odisseia” de

Homero, em que Ulisses se fez atar ao mastro do seu

barco, em face das sereias que o encantavam, tem sido

muito repetida na literatura sobre o problema da

de o regulador independente relevar preferência

sistemática pelas perspetivas de alguns

intervenientes no setor em detrimento de outros (o

já aludido problema da captura do regulador). Por

esse motivo, num modelo de regulação por

entidades independentes devem ser previstos

mecanismos de responsabilização pelas atividades

de regulação. Como sugerem Gehring e Krapohl

(2007), este

trade-off

entre a desejável

independência das funções de regulação e a

necessidade do seu controlo pode ser evitado à

partida, se a atividade de supervisão do próprio

regulador for entregue a um terceiro agente. Com

efeito, a tarefa de controlar a agência reguladora

para minimizar o risco de desvio e captura não tem

que ser levada a efeito pelo próprio agente (o

governo). Adicionalmente, o dilema pode também

ser evitado se a discricionariedade do regulador for

condicionada por um conjunto de regras

substantivas nas quais as suas decisões se devem

basear. Tais regras fornecemuma orientação prévia

às decisões regulatórias, refletindo os interesses de

longo prazo do principal e indicando o sentido

geral desejado para a atuação regulatória;

adicionalmente,

possibilitam

mais

fácil

monitorização de eventuais desvios do regulador.

Voltando ao caso português da Entidade

Reguladora da Saúde, são diversos os mecanismos

de legitimidade e de escrutínio público previstos

como forma de evitar fenómenos de desvio e

captura. Além do extenso e detalhado edifício legal

e regulamentar do setor da saúde, a própria

legislação enquadradora deste regulador estabelece

o sentido, os objetivos, os instrumentos e os limites

da sua atuação, constituindo o tal conjunto de

regras substantivas advogado por Gehring e

Krapohl (2007). Finalmente, estão instituídos

mecanismos de escrutínio pela Assembleia da

República, de participação dos regulados e dos

consumidores em órgãos de consulta, e de controlo

financeiro pelo fiscal único e pelo Tribunal de

Contas.

BIBLIOGRAFIA

ARROW, K. J. (1963) – “Uncertainty and the WelfareEconomicsof

Medical Care”.

Amer. Econ. Rev., 53

: 941–973.

ARROW, K. J. (1972) – “Social Responsibility and Economic

Efficiency”.

Public Policy, 21

: 303–317.

inconsistência temporal das preferências no contexto da

regulação, sendo disso exemplos Shepsle (1991) ou

Gehring e Krapohl (2007).