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revela-se, no entanto, geradora de riscos que
podem sacrificar os objetivos centrais de um
sistema de saúde socialmente responsável,
especialmente em sistemas de base universal e
gratuita.
Com efeito, a gestão pública de tipo empresarial
foi sendo introduzida como forma de procurar
garantir a sustentabilidade económica e financeira
dos sistemas assentes em serviços nacionais de
saúde. Khaleghian e Gupta (2005) referem que as
linhas essenciais desta reforma são a criação de
uma separação entre a compra e a prestação de
serviços de saúde, através de contratos baseados
nas quantidades, e para os quais prestadores
públicos e privados concorrem, a atribuição de
maior autonomia aos gestores das unidades de
saúde e a implementação de esquemas de
pagamento com incentivos à produtividade dos
profissionais. Esta substituição de controlo
governamental por um modelo de Estado
contratante envolve a introdução de processos de
mercado, privatização, descentralização
e
mudanças na estrutura organizacional.
É neste contexto que Saltman
et al.
(2002)
advogam a introdução cuidadosamente calibrada
de mecanismos de mercado no setor da saúde, ou
como os autores designam, “empresarialização
temperada por regulação”. Tal equilíbrio significa
desenhar estratégias regulatórias que utilizem os
benefícios da inovação empresarial sem pôr em
causa os objetivos sociais dos sistemas de saúde. A
concretização da resposta a este desafio regulatório
em países com elevada predominância pública ao
nível do financiamento e da prestação (caso dos
países com modelo integrado de serviço nacional
de saúde) tem passado pela substituição das
abordagens tradicionais de
command and control
por uma lógica de regulação do tipo
steer and
channel
, criando um Estado regulador que
promove, mas não necessariamente presta, os
serviços de saúde (Saltman
et al.
, 2002).
Em Portugal, a extensão do movimento da
regulação ao setor da saúde ocorreu com a criação
da Entidade Reguladora da Saúde, em 2003. O
momento na história do sistema de saúde português
em que este regulador surge é marcado pelo
reconhecimento da necessidade de procura de
eficiência. Essa preocupação refletiu-se nas
políticas de saúde do início do milénio, sendo disso
exemplos a empresarialização da gestão hospitalar
no SNS ou a criação de parcerias público-privadas
na área do serviço público de saúde. Estas reformas
implicaram, por um lado, que uma parte
significativa das entidades do SNS deixasse de
estar sujeita ao comando administrativo do Estado
e, por outro lado, generalizou-se uma lógica
empresarial na gestão destas entidades (Campos e
Simões, 2011).
Em suma, a justificação da necessidade de
regulação económica dos mercados da saúde junta,
numa base comum de sustentação, os contributos
da literatura jurídica sobre os serviços de interesse
público e a proteção dos consumidores, com o
argumento económico das falhas de mercado, e
ainda o primado político de proteção de serviços
valorizados socialmente.
6 - FORMATOS INSTITUCIONAIS DE REGU-
LAÇÃO NA SAÚDE
No seu artigo de 1963, Arrow presume que os
mercados de cuidados de saúde não chegarão a um
equilíbrio competitivo sem intervenção externa ao
mercado, mas não especifica quem, e como, poderá
esse desvio do equilíbrio ser corrigido. Num artigo
posterior, Arrow enunciou, como soluções
possíveis, a regulamentação governamental, a
política de impostos, o sistema de
tort liability
e os
códigos de ética profissional, sendo estes últimos o
mecanismo alegadamente mais promissor (Arrow,
1972). De facto, Arrow postulava que, se tais
códigos fossem aceites e estabelecidos como
normas, poderiam promover uma autocorreção das
assimetrias de informação e restaurar o equilíbrio
geral (Jacobson, 2001).
Ao nível da forma concreta de exercício das
atividades de regulação da prestação de cuidados
de saúde, uma das matérias que mais tem suscitado
debate nos sistemas de saúde regulados é o dos
méritos relativos de duas abordagens distintas: a
regulação do sistema
e a
regulação
profissional.
O dilema central deste debate é intuitivo: por um
lado, os profissionais médicos devem ser regulados
por outros médicos, por serem estes os que
possuem a
expertise
profissional necessária; por
outro lado, a autorregulação está sujeita a conflitos
de interesses decorrentes do facto de os agentes
penalizados serem, ao mesmo tempo, os
penalizadores, o que afeta a sua credibilidade.
Na literatura especializada sobre este tema, a
regulação profissional (ou autorregulação) é
considerada como
professional-focused
, enquanto
a regulação do sistema é rotulada como
patient-
focused
. Tais rótulos decorrem, em especial, da
identificação realizada pelos investigadores
daquilo que são os objetivos prosseguidos, na
prática, pelas instituições reguladoras, mais do que
propriamente dos conceitos e mecanismos teóricos
em causa. Nessa perspetiva mais teórica, a