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anos 60 do século XX, a par do surgimento da

disciplina da economia da saúde. No seu artigo

seminal de 1963, o prémio Nobel da Economia,

Kenneth Arrow (Arrow, 1963), sistematizou as

principais especificidades do setor da saúde que o

tornam diferente de outros mercados de bens e

serviços, tanto ao nível do comportamento dos seus

agentes, como das relações económicas que entre

eles se estabelecem.

Com referência aos argumentos apresentados na

secção 3, isto significa que o trabalho de Arrow

evidenciou um conjunto de falhas nos mercados de

seguros de saúde e de prestação de cuidados de

saúde que fazem com que não estejam reunidas

todas as condições necessárias para que o livre

funcionamento dos mecanismos de mercado

garanta, à partida, os melhores resultados.

Partindo deste artigo de Arrow, numerosos

investigadores adensaram e sistematizaram a

literatura sobre as falhas dos mercados da saúde.

Uma dessas falhas reside no facto de a prestaçãode

cuidados de saúde estar sujeita a fortes assimetrias

de informação. Os utentes não possuem

conhecimento necessário para efetuar escolhas de

consumo eficientes e adequadas, faltando-lhes

designadamente conhecimento técnico para

identificar o tipo de serviços de que necessitam e

quais as técnicas apropriadas à sua condição, mas

tambémpara reconhecer a qualidade e a adequação

do espaço físico, ou a qualificação dos

profissionais de saúde. Por outro lado, a prestação

de cuidados de saúde ocorre, frequentemente, em

contexto de grande incerteza, verificando-se

ausência de correlação direta entre os serviços

prestados e o estado de saúde dos utentes. Também

este aspeto diminui decisivamente a capacidade de

os utentes efetuarem escolhas que maximizem a

sua utilidade. Em terceiro lugar, no setor da saúde,

os mercados são tipicamente caracterizados como

tendo uma estrutura de concorrência imperfeita.

Particularmente em Portugal existem barreiras à

entrada de operadores (por exemplo, a dificuldade

na obtenção de convenções para a prestação de

serviços ao SNS). Por outro lado, o setor público

tem uma posição dominante na prestação dos

cuidados, o que afeta o ambiente concorrencial dos

mercados da saúde. Uma outra especificidade

importante dos mercados de cuidados de saúde

consiste na relação de agência entre profissional de

saúde e utente, na qual se baseia grande parte do

consumo. Neste tipo de relação – que surge como

consequência da complexidade técnica inerente às

escolhas de consumo nestes mercados –, o

principal (o utente) delega no agente (o

profissional) a responsabilidade de tomar, por si, as

decisões de consumo. Assim, também por esta via,

as escolhas dos consumidores são largamente

condicionadas. Por último, uma característica

igualmente muito presente no setor da saúde, e que

afeta, de forma relevante, as relações entre os

agentes envolvidos, é a da existência de

financiamento por terceiros (o Estado segurador, os

seguros sociais ou os seguros privados) dos

encargos resultantes do consumo de cuidados de

saúde. Esta mediação da relação económica entre

utentes e prestadores implica a imposição de

incentivos sobre as duas partes, diferentes daqueles

que tipicamente se conhecem noutros mercados

mais convencionais.

De todas estas especificidades, decorre o risco

do surgimento de fenómenos indesejáveis, tais

como a indução artificial da procura, a seleção

adversa de doentes com base em critérios

financeiros e a redução da qualidade e segurança

dos serviços prestados como forma de aumentar a

rendibilidade da atividade empresarial. Em face

destes riscos, os investigadores identificam um

importante campo de responsabilidade e

intervenção pública nos mercados da saúde, de

regulação da conduta dos agentes e de defesa dos

direitos dos utentes que, por natureza, têm uma

posição mais frágil nas relações económicas

estabelecidas nestes mercados. Assim, devem ser

objetivos da intervenção pública regulatória na

saúde garantir o acesso aos cuidados de saúde,

assegurar níveis de qualidade e segurança

satisfatórios, garantir uma eficiente aplicação dos

recursos disponíveis, garantir concorrência que

produza uma relação qualidade/preço satisfatória e

defender os direitos e interesses dos utentes dos

serviços.

A concorrer adicionalmente para o movimento

de disseminação global da atividade de regulação

económica da saúde, observado na segunda metade

do século XX, identificam-se mudanças estruturais

e institucionais nos mercados da saúde que

determinam uma alteração na probabilidade dos

riscos se concretizarem em fenómenos adversos.

Tais mudanças compreendem a crescente

introdução de gestão em moldes empresariais das

unidades prestadoras de cuidados de saúde, mesmo

em sistemas de saúde de raiz beveridgiana e com

uma forte componente de prestação pública de

serviços. Como observam Saltman

et al.

(2002),

tem-se observado um aumento significativo da

empresarialização nos sistemas de saúde europeus,

estimulado sobretudo por interesses de melhoria da

eficiência e da qualidade. Tal lógica empresarial,

tendo como atributos positivos o aproveitamento

de oportunidades e a promoção de inovação,