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OS DESAFIOS DA REGULAÇÃO
JORGE SIMÕES *
CÉSAR CARNEIRO **
* Professor da Univ. Aveiro; Professor convidado do IHMT; Presidente do Conselho Diretivo da Entidade
Reguladora da Saúde.
:
jsimoes@ers.pt.
** Técnico de Regulação da Entidade Reguladora da Saúde; Professor convidado da Univ. Aveiro.
RESUMO
A OECD define regulação económica como a imposição de regras
pelos governos, apoiada pelo uso de sanções que visam,
especificamente, modificar o comportamento económico de
indivíduos e empresas. As importantes falhas identificadas nos
mercados de seguros de saúde e de prestação de cuidados de saúde
fazem com que este seja um dos campos clássicos da intervenção
regulatória. Com efeito, as atividades de regulação da saúde estão
presentes na generalidade dos sistemas de saúde contemporâneos,
embora sob formas nem sempre explícitas e devidamenteestruturadas
e autonomizadas. Porém, o grau de disseminação da regulação da
saúde não encontra proporcionalidade no grau de consenso político,
social ou académico em torno de muitos dos seus aspetos centrais.As
discussões principais centram-se, atualmente, não na necessidadeda
existência de regulação da saúde, mas em aspetos particularescomoo
grau de independência face ao governo e aos agentes dos mercados,os
custos diretos e indiretos da atividade de regulação ou a escolhaentre
regulação do sistema e autorregulação por profissionais de saúde.Em
Portugal, a regulação independente da saúde surgiu em 2003 e, não
obstante as dificuldades iniciais de aceitação por parte dos
stakeholders
, esta forma de intervenção pública nas atividades de
saúde assume, hoje, um papel fulcral no sistemade saúde português.
SUMMARY
The OECD defines economic regulation as the imposition ofrulesby
government, backed by the use of penalties that specificallyintendto
modify the economic behaviour of individuals and companies. A
classical field for regulatory intervention consists of healthinsurance
and health care delivery markets, because of the importantfailuresthat
occur in such markets. Indeed, health regulation activitiesarepresent
in most contemporary health systems, although not alwaysasexplicit
and adequate autonomous public intervention. However,thedegreeof
spread of health regulation finds no proportionality in the degreeof
political, social or academic consensus over many of its central
features. The main discussions are not currently focused on theneed
for the existence of health regulation, but on specific aspects suchas
the degree of independence of the regulator from government and
markets agents, the direct and indirect costs of regulatory activityor
the choice between system regulation and self-regulation by
professionals. In Portugal, independent health regulation emergedin
2003 and, despite the initial difficulties for acceptancebystakeholders,
this form of public intervention in health activitieshasplayedacentral
role in the portuguese health system.
1 - INTRODUÇÃO
A intervenção do Estado está presente em
praticamente todas as atividades económicas. Esta
intervenção pode assumir três formas diferentes:
provisão de bens e serviços, redistribuição e
regulação (Folland
et al.
, 2012). Não existe
consenso generalizado em torno de uma definição
de “regulação económica”. As várias definições
que se podem encontrar na literatura variam entre
um âmbito mais generalizado, expressas em termos
válidos transversalmente, ou mais específico,
quando surgem no contexto de um determinado
setor de atividade. Adicionalmente, o grau de
ligação ao tipo de instrumentos de regulação e os
objetivos concretos que se
consideram
implicitamente acabam, também, por determinar a
formulação da definição. A título exemplificativo
da variabilidade acabada de referir, atente-se à
definição genérica de Folland
et al.
(2012),
segundo a qual “regulação” se refere ao uso de
instrumentos não-mercado para abordar as
questões da quantidade, do preço ou da qualidade
dos bens ou serviços oferecidos nos mercados.
Nesta definição, o objetivo principal da regulação
é promover níveis mínimos de qualidade e,
simultaneamente, eliminar ineficiências geradoras
de custos. Por seu turno, a OECD (OECD, 2002)
define “regulação” como a imposição de regras
pelos governos, apoiada pelo uso de sanções que
visam especificamente modificar o comportamento
económico de indivíduos e empresas. Os
instrumentos regulatórios compreendem os preços,
a quantidade, o lucro, a prestação de informação,
os níveis de serviço e as restrições à propriedade.
Numa visão mais focada na implementação, de
acordo comSaltman et al. (2002), a regulação pode
definir-se, na prática, sob diversas formas, tais
como: um conjunto de regras operadas por uma
agência do Estado; a política estatal que guia a
economia; todos os mecanismos de controlo que
afetam a sociedade; um contínuo de restrições
governamentais sobre atividades de mercado
outrora livres; qualquer controlo sustentado sobre
atividades socialmente valorizadas exercido por
uma agência pública (
stewardship
).
Um dos campos clássicos da intervenção
regulatória, quer pela especial aplicabilidade dos
argumentos justificadores desta forma de
intervenção pública, quer pela própria experiência
observada a nível internacional, é o da saúde. As
atividades de regulação da saúde ou, mais