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regulação em geral pode ser vista ao longo de um
contínuo que vai desde as intervenções que visam
facilitar os mecanismos de mercado até às que
visam substituí-lo (Jacobson, 2001). As estratégias
facilitadoras do mercado, tais como a acreditação
de qualidade de produtores/prestadores ou códigos
de ética profissional, são desenhadas para permitir
que o mercado funcione de forma mais eficiente. Já
as abordagens de substituição do mercado, tais
como planeamento em saúde ou mecanismos de
cobertura pública universal de cuidados de saúde,
são desenhados para substituir (em alguns casos, de
forma quase completa) as forças de mercado. Neste
contexto, a autorregulação, incluindo normas de
conduta profissional, está mais próxima de uma
abordagem facilitadora dos mercados, ao passo que
a regulação do sistema, através de intervenções
governamentais de âmbito transversal, opera no
domínio da substituição do mercado.
Para Jacobson (Jacobson, 2001), existe uma
trajetória regulatória ao longo do tempo bem
identificada, partindo da autorregulação da
profissão médica e sendo atualmente dominada por
uma lógica transversal de regulação do sistema de
saúde, situação talvez explicada por constatação de
que as estratégias meramente facilitadoras do
mercado nunca foram verdadeiramente eficazes no
setor da saúde, aceitando-se assim a necessidade de
uma abordagem mais profunda, de substituição dos
mecanismos de mercado.
Voltando à visão mais prática deste tema, o que
se observa em inúmeros sistemas de saúde é um
quadro regulatório constituído por instituições
diversas e diferentes, incluindo as que exercem
autorregulação profissional (tipicamente existindo
várias, cada uma dedicada a uma profissão da
saúde) e as que têmuma intervenção transversal ao
sistema de saúde. Neste contexto de dispersão de
competências de regulação, é requisito
fundamental para o bom funcionamento do sistema
de regulação que o âmbito, missão e competências
de cada instituição sejam claramente delimitados e
respeitados. Neste quadro, é importante que se
encontrem e reconheçam as linhas de
complementaridade entre a regulação de sistema e
a autorregulação da prática e deontologia
profissional. Do integral entendimento e respeito
por essa complementaridade, resultará um
ambiente regulatório estável e propício ao bom
funcionamento do sistema de saúde e à eficiência
dos mercados, com minimização dos custos diretos
11
Cunhada por Jensen e Meckling (1976), a teoria da
agência estuda a relação contratual que se estabelece
entre uma parte que contrata (o principal) a outra parte
e indiretos da atividade regulatória. Este debate
tem-se colocado também em Portugal, sobretudo
desde a criação da Entidade Reguladora da Saúde.
7- INDEPENDÊNCIA E
ACCOUNTABILITY
DA
REGULAÇÃO DA SAÚDE
A regulação económica da saúde pode ser
garantida sob arranjos institucionais diferentes e
distintos, mesmo quando se subscreve a análise à
regulação de sistema pelo Estado. Das diversas
características distintivas de tais arranjos
institucionais alternativos, aquela que maior
reflexão tem suscitado é a do grau de
independência do regulador face ao poder político.
Se, no caso da escolha entre a regulação
profissional e a regulação do sistema, a tendência
observada internacionalmente tem sido a de
transição do foco da primeira para a segunda
abordagem, ao nível do tema da independência,
tem-se observado a tendência de substituição de
agências reguladoras governamentais (isto é,
departamentos diretamente dependentes do
governo) por entidades públicas independentes. Tal
tendência é justificada nos pressupostos teóricos de
que as entidades reguladoras independentes
possuem, relativamente a outros modelos de
regulação, vantagens comparativas associadas à
sua característica mais vincada, de independência
da função reguladora. Com efeito, a independência
em relação ao governo, mas igualmente em relação
aos agentes do mercado, garante, à partida,
separação entre a definição da política de saúde e o
exercício da regulação, separação entre a regulação
e a prestação de serviços, regulação incidindo sobre
todo o sistema de saúde, a independência face a
grupos de interesses (económicos ou políticos), e a
transparência e estabilidade do quadro regulatório.
Além destas razões, assentes no argumento
lógico da equidistância, a delegação das funções de
regulação numa entidade independente encontra
também justificação na teoria económica da
agência
11
, particularmente no âmbito do conhecido
problema da inconsistência temporal das
preferências do principal. A teoria moderna da
regulação estabelece
que as
entidades
independentes são mais adequadas para as funções
de regulação do que as agências controladas pelo
governo precisamente por evitarem o problema da
inconsistência
temporal
das
preferências
(Cukierman, 1994; Majone e Everson, 2001). Para
(o agente), para que o segundo desempenhe um serviço
em benefício do primeiro, envolvendo este contrato a
delegação de decisões pelo principal no agente.